Enquanto os líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul se reúnem para sua cúpula anual do BRICS a partir de terça-feira, não há dúvida de que o grupo assumiu uma nova importância em meio à intensificação da competição entre as grandes potências.

A invasão da Ucrânia pela Rússia e a campanha de sanções cada vez mais agressiva do Ocidente contra a Rússia e a China servem como o contexto no qual a comunidade diplomática global observará o conclave em Joanesburgo.

De fato, a guerra na Ucrânia já lançou sua sombra sobre o encontro. O presidente russo, Vladimir Putin, compareceu apenas virtualmente para evitar qualquer constrangimento à África do Sul: a nação africana é membro do Tribunal Penal Internacional, que emitiu um mandado de prisão de Putin por acusações relacionadas ao conflito, e seria legalmente obrigado a levar o russo líder em custódia se ele fosse visitar o país.

No entanto, com a possibilidade de qualquer drama agora descartada, mais dois desenvolvimentos substantivos e inter-relacionados ocuparão o centro do palco na cúpula.

China e Rússia manifestaram interesse em expandir o grupo em um esforço para dar-lhe maior peso nas relações internacionais. Mais de 40 países manifestaram interesse em ingressar no grupo BRICS, com 22 solicitando formalmente a adesão. Isso inclui aliados árabes dos Estados Unidos, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito, e rivais como o Irã. A lista também inclui países da África, América do Sul e Ásia.

A segunda questão é a desdolarização. A China e a Rússia parecem ter a intenção de usar um fórum maior do BRICS como ponto focal de seus esforços para reduzir sua dependência – e da economia global – da moeda americana que dominou o faturamento e os acordos transfronteiriços desde a Segunda Guerra Mundial. Pequim e Moscou já realizam a maior parte de seu comércio em moedas locais, especialmente o Yuan chinês. A Rússia defendeu uma nova moeda do BRICS, talvez lastreada em ouro, que seria usada como meio de troca internacional entre os membros em vez do dólar.

Para a Rússia e a China, a desdolarização assumiu uma nova importância, pois estão cada vez mais sob sanções do Ocidente. O medo de como a política econômica americana e ocidental pode prejudicar suas economias e limitar sua autonomia de segurança nacional é uma questão importante de debate em Moscou e Pequim.

Mas enquanto a África do Sul, o Brasil e a Índia têm melhores relações com o Ocidente, eles também veem uma menor dependência do dólar como algo positivo para seu crescimento econômico e potencial comercial. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou recentemente que “[e]toda noite eu me pergunto por que todos os países têm que basear seu comércio no dólar”.

Para eles, a desdolarização é menos sobre derrubar o King Dollar do topo da hierarquia das moedas de reserva e mais sobre criar um método separado para transações entre os estados membros sem a necessidade do dólar, do sistema de mensagens SWIFT baseado no Ocidente e dos serviços de bancos de Nova York. Dito isto, o BRICS em sua forma atual já representa 26% do produto interno bruto (PIB) global e 16% do comércio global. Portanto, um esforço bem-sucedido nesse sentido provavelmente terá efeitos cascata.

Mas será que essa nova aposta monetária funcionará?

Há muito pouco conhecido sobre o plano para chegar a conclusões definitivas. O histórico do BRICS na desdolarização tem sido misto. A China e a Rússia reduziram com sucesso sua dependência do dólar para o comércio transfronteiriço. Por outro lado, o Novo Banco de Desenvolvimento, criado pelos BRICS em grande parte para facilitar a desdolarização dos empréstimos estatais, é amplamente dependente do dólar e agora está lutando para levantar essa moeda devido a ter a Rússia como membro fundador. Seu diretor financeiro reconheceu recentemente que “você não pode sair do universo do dólar e operar em um universo paralelo”.

A atual hegemonia do dólar é apoiada por um intenso efeito de rede e um fator de conveniência. A estabilidade do dólar e os mercados profundos denominados em dólares permitem previsibilidade, facilidade de uso e transações internacionais mais baixas. Uma nova moeda do BRICS pode abordar alguns desses desafios, mas certamente não todos. Há também um desequilíbrio significativo na determinação em relação à desdolarização dentro do grupo. Onde países sancionados como Rússia e China, bem como possíveis membros como o Irã, estão ansiosos para desmentir os EUA de sua capacidade de impor sanções financeiras caras, outros estarão menos inclinados a arcar com o custo de tal transição.

Como a Organização de Cooperação de Xangai – que também inclui China, Rússia e Índia entre seus membros – uma questão-chave que prejudica o impacto político do BRICS como um bloco é a natureza complexa das relações entre suas nações e suas diferentes abordagens em relação ao Ocidente.

Embora todos não gostem de ser chamados a cumprir as sanções ocidentais, muitos deles têm fortes relações com os países ocidentais que não desejam prejudicar. A Índia e a China são rivais estratégicos que não concordam em muitas questões. Durante a cúpula da SCO no mês passado, a Índia se recusou a assinar um documento econômico importante porque incluía referências em linguagem diplomática chinesa à Iniciativa de Desenvolvimento Global de Pequim.

A Índia alinhou-se amplamente com os interesses ocidentais contra a China. A disponibilidade de apoio econômico ocidental e acesso à tecnologia aumentou significativamente e as relações com as Índias Ocidentais estão passando por uma nova era. Isso traz benefícios econômicos significativos para a Índia, o que torna Modi muito sensível em ser visto como um contrapeso ao G7.

O Brasil está sendo liderado por um presidente de esquerda, preocupado em alienar Washington como parceiro de negócios e ciente de como os EUA tendem a assumir uma postura agressiva contra líderes sul-americanos que questionam sua hegemonia na região.

A África do Sul teme que aumentar a adesão ao BRICS reduza ainda mais sua influência no bloco. Autoridades em Pretória já estão preocupadas com o fato de outros países do BRICS serem muito mais influentes no grupo, já que seu progresso econômico e social estagnou nos últimos anos. A África do Sul também está muito preocupada em ter que tomar partido na emergente nova Guerra Fria entre os EUA e a China – embora esteja sob uma pressão significativa sobre a África do Sul para se alinhar com o Ocidente.

Isso é o que alimentou as demandas da Índia, Brasil e África do Sul por regras mais rígidas para determinar se um aspirante a membro deve ter permissão para ingressar ou até mesmo se tornar um observador. A Índia, em particular, tem argumentado que as democracias devem ser o foco das considerações de adesão.

Tais diferenças prejudicaram o trabalho de outras grandes organizações de equilíbrio global, como a Organização da Cooperação Islâmica, G77 e o Movimento dos Não-Alinhados também.

A ascensão de vários outros países como Argentina, Arábia Saudita e Nigéria, com suas próprias e complexas preferências de política externa, não seria vista com bons olhos por Washington. Mas um BRICS rapidamente expandido não será necessariamente mais poderoso. Na verdade, poderia tornar a organização mais incoerente e incapaz de chegar a um consenso claro sobre qualquer coisa importante.

As opiniões expressas neste artigo são do próprio autor e não refletem necessariamente a posição editorial da Al Jazeera.

Fonte: www.aljazeera.com

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