Trabalhando no calor sufocante da Amazônia brasileira, José Diogo escala uma árvore e colhe um cacho de frutas pretas: açaí, o “superalimento” da moda que está remodelando a maior floresta tropical do mundo, para melhor e para pior.

Diogo, 41 anos, que vive numa comunidade pobre e remota fundada por escravos fugitivos, está a um mundo de distância dos corredores dos supermercados de luxo de Nova Iorque ou Tóquio, onde bagas como estas são vendidas em sorvetes, smoothies, sumos, pós e comprimidos, popularizados por nomes como Gwyneth Paltrow e Meghan Markle.

Mas ele tem uma visão privilegiada das mudanças que a mania do açaí está trazendo para a Amazônia brasileira.

Desde que o açaí ganhou fama internacional na década de 2000, elogiado por suas ricas propriedades nutricionais e antioxidantes, ele desencadeou um boom econômico para os agricultores tradicionais da região amazônica e foi elogiado como uma forma de trazer “desenvolvimento verde” para a floresta tropical sem destruir isto.

Mas os especialistas dizem que isso também está ameaçando a biodiversidade da Amazônia, à medida que os campos de cultivo único de açaí se tornam cada vez mais comuns.

Diogo, que mora no vilarejo de Igarapé São João, no norte do Pará, está construindo uma casa de tijolos graças ao dinheiro que ganhou com o açaí.

“As coisas ficam muito melhores para nós a cada época de colheita”, diz ele, colocando as pequenas frutas em uma cesta grande.

Ele consegue encher 25 dessas cestas em um dia bom, levando para casa entre 300 e 625 réis (US$ 60 a US$ 128), diz ele.

As bagas são trazidas de barco para Belém, a capital do estado, onde trabalhadores suados transportam enormes quantidades delas para o mercado, para serem vendidas o mais rapidamente possível, antes que as frágeis frutas se estraguem.

‘Acai-ificação’ da Amazônia

Há muito consumido por grupos indígenas, o açaí é um dos pilares da culinária do Nordeste do Brasil, consumido com farinha de mandioca ou usado para acompanhar peixes e outros pratos.

Sua polpa roxa ganhou popularidade em todo o Brasil nas últimas duas décadas, muitas vezes bebida como suco ou transformada em sorvete adoçado e servida com frutas e granola.

A partir daí, o açaí conquistou fãs em todo o mundo, dos Estados Unidos à Europa, Austrália e Japão, onde pode ser vendido por cerca de US$ 5 por tigela até mais de US$ 20 por um pacote de 100 gramas de açaí em pó orgânico.

As exportações brasileiras de açaí e seus derivados aumentaram de 60 kg em 1999 para mais de 15.000 toneladas em 2021.

O Pará, fonte de 90 por cento do açaí do Brasil, produziu quase 1,4 milhão de toneladas dele em 2021, valendo mais de US$ 1 bilhão para a economia do estado.

Mas estudos mostram que a expansão do açaí na Amazônia está causando perda de biodiversidade em algumas regiões ao substituir outras espécies.

“Deixe a natureza por conta própria e você terá 50 ou talvez 100 pés de açaí por hectare”, diz o biólogo Madson Freitas, do instituto de pesquisa Museu Goeldi, em Belém.

“Quando você ultrapassa 200, perde 60% da diversidade de outras espécies nativas.”

Publicou um estudo sobre o fenômeno, que chama de “acai-ificação”.

A perda de outras espécies de plantas, por sua vez, tem um efeito negativo no açaí, que se torna menos produtivo devido à perda de polinizadores como abelhas, formigas e vespas, diz ele.

Períodos de seca mais longos na Amazónia, que podem ser agravados pelas alterações climáticas, também estão a prejudicar o açaí, que tende a crescer em terras que inundam durante a estação chuvosa.

‘Serviço ambiental’

Freitas, assim como Diogo, vem de um “quilombo”, comunidades fundadas por escravos fugitivos no Brasil nos séculos XVII e XVIII.

Ele diz que são necessárias leis de conservação e policiamento mais fortes para combater a agricultura monocromática, bem como incentivos para os agricultores preservarem a floresta tropical.

Salomao Santos, a local leader in Igarape Sao Joao, admits acai’s dominance could become a problem.

“Aqueles de nós que vivemos na Amazônia sabemos que não podemos viver de uma única espécie”, diz ele.

Ele relembra os altos e baixos das commodities do passado, como a cana-de-açúcar e a borracha.

Ele quer compensação para os moradores dos quilombos e outros que preservam a Amazônia, cujas centenas de bilhões de árvores que absorvem carbono são um recurso vital contra as mudanças climáticas.

“Oferecemos um enorme serviço ambiental ao mundo”, diz ele.

Fonte: www.aljazeera.com

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