De Espectros de Marx: O que é ideologia? (Jacques Derrida 1994)

O que é ideologia? Pode-se traduzir com relação a ela a lógica de sobrevivência que acabamos de vislumbrar em relação ao patrimônio do ídolo, e qual seria o interesse de tal operação?

O tratamento do fantasma na ideologia alemã anuncia ou confirma o privilégio absoluto que Marx sempre concede à religião, à ideologia como religião, misticismo ou teologia, em sua análise da ideologia em geral. Se o fantasma dá sua forma, ou seja, seu corpo, ao ideólogo, então é a característica essencial [le propre], por assim dizer, do religioso, segundo Marx, que falta quando se efaz a semântica ou o léxico do espectro, como as traduções freqüentemente fazem, com valores considerados mais ou menos equivalentes (fantasmagórico, alucinatório, fantástico, imaginário, e assim por diante). O caráter místico do fetiche, na marca que ele deixa na experiência do religioso, é antes de tudo um caráter fantasmagórico. Muito além de um modo conveniente de apresentação na retórica ou pedagogia de Marx, o que parece estar em jogo é, por um lado, o caráter irredutivelmente específico do espectador. Este último não pode ser derivado de uma psicologia da imaginação ou de uma psicanálise do imaginário, não mais do que de uma ontologia ou da minha, ainda que Marx pareça inscrevê-lo dentro de uma genealogia socioeconômica ou de uma filosofia do trabalho e da produção: todas estas deduções supõem a possibilidade de sobrevivência espectral. Por outro lado, e pela mesma razão, está em jogo a irredutibilidade do modelo religioso na construção do conceito de ideologia. Quando Marx evoca espectros no momento em que ele analisa, por exemplo, o caráter místico ou o fetiche da mercadoria, não devemos, portanto, ver naquele momento apenas efeitos de retórica, voltas de frase que são contingentes ou meramente aptos a convencer por meio de golpes na imaginação. Se este fosse o caso, além disso, ainda seria necessário explicar sua eficácia a este respeito. Ainda se teria que contar com a força invencível e o poder original do efeito “fantasma”. Seria preciso dizer por que isso assusta ou atinge a imaginação, e que medo, imaginação, seu sujeito, a vida de seu sujeito, e assim por diante, são.

Vamos nos situar por um momento naquele lugar onde os valores de valor (entre valor de uso e valor de troca), segredo, mística, enigma, fetiche e a forma ideológica formam uma cadeia no texto de Marx, singularmente no Capital, e vamos tentar ao menos indicar (será apenas um indicador) o movimento espectral desta cadeia. O movimento é encenado ali onde se trata, precisamente, de formar o conceito do que o estágio, qualquer estágio, se retira de nossas vésperas cegas no momento em que as abrimos. Agora, este conceito é de fato construído com referência a uma certa assombração.

É um grande momento no início do Capital, como todos se lembram: Marx se pergunta de fato como descrever o súbito surgimento do caráter místico da mercadoria, a mistificação da própria coisa – e da forma de dinheiro da qual a forma simples da mercadoria é o “germe”. Ele quer analisar o equivalente cujo enigma e caráter místico só atingem o economista burguês na forma final de dinheiro, ouro ou prata. É o momento em que Marx pretende demonstrar que o caráter místico nada deve a um valor de uso.

Será apenas por acaso que ele ilustra o princípio de sua explicação, fazendo com que uma mesa se vire? Ou melhor, relembrando a aparição de uma mesa giratória? Esta mesa é familiar, demasiado familiar; ela se encontra na abertura do capítulo sobre o fetichismo da mercadoria e seu segredo (Geheimnis). Esta mesa foi desgastada, explorada, sobre-explorada, ou então posta de lado, não mais em uso, em antiquários ou salas de leilão. A coisa é imediatamente posta de lado e ao lado de si mesma. Ao lado de si mesma porque, como logo ficaremos surpresos ao ver, a mesa de identificação é um pouco louca, estranha, instável, “fora da articulação”. Já não se sabe, sob a patina hermenêutica, o que este pedaço de madeira, cujo exemplo de repente aparece, é bom e o que vale.

Será que aquilo que vai surgir será um mero exemplo? Sim, mas o exemplo de uma coisa, a mesa, que parece surgir de si mesma e ficar de pé de uma só vez em suas patas. É o exemplo de uma aparição.

Aproveitemos então, depois de tantos brilhos, a oportunidade de uma leitura ingênua. Vamos tentar ver o que acontece. Mas isto não é imediatamente impossível? Marx nos adverte com as primeiras palavras. A questão é logo a seguir, de uma vez por todas, ir embora, de uma só vez, o primeiro olhar e assim ver ali onde este olhar é cego, abrir bem os olhos ali onde não se vê o que se vê. É preciso ver, à primeira vista, o que não se deixa ver. E isto é a própria invisibilidade. Pois o que não se vê à primeira vista é o invisível. A falha, o erro de primeira vista é ver, e não perceber o invisível. Se a pessoa não se entrega a esta invisibilidade, então a acomodação da mesa, imediatamente percebida, permanece o que ela não é, uma coisa simples considerada trivial e óbvia demais. Esta coisa trivial parece se compreender (ein selbst verständliches, triviales Ding): a própria coisa na fenomenalidade, de seu fenômeno, uma mesa de madeira bastante simples. A fim de nos preparar para ver esta invisibilidade, para ver sem ver, assim pensar o corpo sem corpo desta visibilidade invisível – o fantasma já está tomando forma – Marx declara que a coisa em questão, ou seja, a mercadoria, não é tão simples (uma advertência que vai despertar snickers de todos os imbecis, até o fim dos tempos, que nunca acreditam em nada, é claro, porque têm tanta certeza de ver o que é visto, tudo o que é visto, apenas o que é visto). A mercadoria é até mesmo muito complicada; é borrada, emaranhada, paralisante, apórea, talvez indecidível (ein sehr vertracktes Ding). É tão desconcertante, esta comodidade-coisa, que se tem que abordá-la com sutilezas “metafísicas” e simpatias “teológicas”. Precisamente para analisar o metafísico e o teológico que construiu o bom senso fenomenológico da própria coisa, da mercadoria imediatamente visível, em carne e osso: como o que é “à primeira vista” (auf den ersten Blick). Este bom senso fenomenológico pode talvez ser válido para o valor de uso. Talvez até seja válido apenas para o valor de uso, como se a correlação destes conceitos respondesse a esta função: fenomenologia como o discurso do valor de uso para não pensar o mercado ou em vista de se tornar cego para trocar valor. Talvez. E é por esta razão que o bom senso fenomenológico ou a fenomenologia da percepção (também em Marx quando ele acredita que pode falar de um valor de uso puro e simples) pode afirmar fomentar o Iluminismo, uma vez que o valor de uso não tem nada de “misterioso” (nicht Mysteriöses an ihr). Se continuarmos a falar de valor de uso, as propriedades (Eigenschaften) da coisa (e vai ser uma questão de propriedade) são sempre muito humanas, no fundo, tranquilizadoras por esta mesma razão. Elas sempre se relacionam com o que é próprio do homem, com as propriedades do homem: ou elas respondem às necessidades do homem, e esse é precisamente seu valor de uso, ou então são o produto de uma atividade humana que parece destiná-las a essas necessidades.

Por exemplo – e aqui é onde a mesa entra em cena – a madeira permanece de madeira quando é transformada em uma mesa: é então “uma coisa comum, sensual [ein ordindäres, sinnliches Ding]”. É bem diferente quando se torna uma mercadoria, quando a cortina sobe no mercado e a mesa faz de ator e personagem ao mesmo tempo, quando a mesa de mercadorias, diz Marx, entra no palco (auftritt), começa a andar por aí e a se apresentar como um valor de mercado. Coup de theatre: a coisa comum, sensual, é transfigurada (verwandelt sich), torna-se alguém, assume uma figura. Esta densidade amadeirada e forte é metamorfoseada em uma coisa sobrenatural, uma coisa sensual não sensual, sensual mas não sensual, sensualmente supersensível (verwandelt er sich in ein sinnlich übersinnliches Ding). O esquema fantasmagórico parece agora indispensável. A mercadoria é uma “coisa” sem fenômeno, uma coisa em vôo que ultrapassa os sentidos (é invisível, intangível, inaudível e inodoro); mas esta transcendência não é totalmente espiritual, ela retém aquele corpo sem corpo que reconhecemos como fazendo a diferença entre o espectro e o espírito. O que supera os sentidos ainda passa diante de nós na silhueta do corpo sensual que no entanto lhe falta ou que permanece inacessível para nós. Marx não diz “sensual e não sensual, ou sensual, mas não sensual”, ele diz: sensual não sensual, sensualmente supersensível. Transcendência, o movimento de super-, o passo além (über, epekeina), se torna sensual nesse mesmo excesso. Ela torna o não-sensuoso sensual. Toca-se lá no que não se toca, sente-se lá onde não se sente, até se sofre lá onde o sofrimento não acontece, quando pelo menos não acontece onde se sofre (que é também, não esqueçamos, o que se diz sobre os membros fantasmas, aquele fenômeno marcado com um X para qualquer fenomenologia de percepção). A mercadoria assim assombra a coisa, seu espectro está em ação no valor de uso. Esta assombração se desloca como uma silhueta anônima ou a figura de um [figurante] extra que pode ser o personagem principal ou capital. Ele muda de lugar, não se sabe mais exatamente onde está, vira, invade o palco com seus movimentos: há ali um passo [il ya là un pas] e seu fascínio pertence apenas a este mutante. Marx deve recorrer à linguagem teatral e deve descrever a aparição da mercadoria como uma entrada no palco (auftritt). E ele deve descrever a mesa como uma mercadoria como uma mesa que gira, com certeza, durante uma sessão espiritualista, mas também como uma silhueta fantasmagórica, a figuração de um ator ou de um bailarino. A figura teo-antropológica do sexo indeterminado (Tisch, mesa, é um substantivo masculino), a mesa tem pés, a aba e tem cabeça, seu corpo ganha vida, ergue todo seu eu como uma instituição, levanta-se e se dirige aos outros, antes de tudo a outras mercadorias, seus semelhantes em fantasia, enfrenta-os ou se opõe a eles, pois o espectro é social, está até mesmo envolvido em competição ou em uma guerra assim que faz sua primeira aparição. Caso contrário, nem sociedade, nem conflito, nem desejo, nem amor, nem paz seriam defensáveis.

Seria preciso colocar esta mesa no bloco do leilão, sujeitá-la à co-ocorrência ou concomitância, fazê-la falar com tantas outras mesas em nosso patrimônio, tantas que perdemos a conta delas, Em filosofia, retórica, poética, de Platão a Heidegger, de Kant a Ponge, e tantas outras. Com todas elas, a mesma cerimônia: uma sessão da mesa.

Marx, então, acaba de anunciar sua entrada no palco e sua transmutação em uma coisa sensualmente supersensível, e agora aqui está de pé, não apenas se segurando, mas levantando-se, levantando-se e levantando-se, levantando sua cabeça, retificando-se e se dirigindo. Diante dos outros, e primeiro de todas as outras mercadorias, sim, eleva-se a cabeça. Parafraseemos algumas linhas o mais literalmente possível antes de citar a tradução. Não basta que esta mesa de madeira se levante (Er steht nick nur), seus pés no chão, ela também se levanta (sondern er stelltsich – e Marx não acrescenta “por assim dizer” como certos tradutores franceses o fizeram admitir, assustados como estavam pela audácia literal da descrição) – ela também se levanta em sua cabeça, uma cabeça de madeira, pois se tornou uma espécie de animal obstinado, cabeçudo e obstinado que, de pé, enfrenta outras mercadorias (er stellt sich allen andren Waren gegenüber auf den Kopf). Diante dos outros, antes dos outros, seus semelhantes, eis então a aparição de uma estranha criatura: ao mesmo tempo Vida, Coisa, Besta, Objeto, Commodity, Automaton – em uma palavra, espectro. Esta Coisa, que não é mais uma coisa, aqui vai e se desdobra (entwickelt), ela se desdobra, desenvolve o que gera através de uma geração quase espontânea (partenogênese e sexualidade indeterminada): a Coisa animal, a Coisa animada, a Coisa morta-viva é um Pai-Mãe), ela dá à luz através de sua cabeça, extrai de sua cabeça de madeira toda uma linhagem de criaturas fantásticas ou prodigiosas, caprichos, quimeras (Grille), partes de caráter não-ligioso, isto é, a linhagem de uma progenitura que não mais se assemelha a ela, invenções muito mais bizarras ou maravilhosas (viel wunderlicher) do que se esta mesa louca, caprichosa e insustentável, sua cabeça começando a girar, começasse a dançar por sua própria iniciativa (desonproprepref chef, aus freien Stucken). Quem entende grego e filosofia poderia dizer desta genealogia, que transfigura o ligneoso em não ligneoso, que ela também dá um tabuleiro do becoming-immaterial da matéria, como se sabe, bullë matter, é antes de tudo madeira. E uma vez que este tornar-se-imaterial da matéria parece não levar tempo e operar sua transmutação na magia de um instante, num único olhar, através da onipotência de um pensamento, também podemos ser tentados a descrevê-lo como a projeção de um animismo ou de um espiritismo. A madeira ganha vida e é povoada de espíritos: credulidade, ocultismo, obscurantismo, falta de maturidade diante do Iluminismo, humanidade infantil ou primitiva. Mas o que seria do Iluminismo sem o mercado? E quem jamais progredirá sem o valor de troca?

Uma contradição de capital. Na própria origem do capital. Imediatamente ou no final, através de tantos relés diferenciais, não cairá para induzir a dupla restrição “pragmática” de todas as injunções. Movendo-se livremente (aus freien Stucken), sobre sua própria cabeça [de son propre chef], com um movimento de sua cabeça mas que controla todo o seu corpo, da cabeça aos pés, ligneoso e desmaterializado, a Table-Thing parece estar no princípio, no início, e no controle de si mesma. Ela se emancipa por iniciativa própria: sozinha, autônoma e autônoma, sua fantástica silhueta se move por si mesma, livre e sem apego. Entra em transe, levita, parece aliviada de seu corpo, como todos os fantasmas, um pouco louca e instável também, perturbada, “fora de si mesma”, delirante, caprichosa e imprevisível. Parece colocar-se espontaneamente em movimento, mas também põe os outros em movimento, sim, põe tudo ao seu redor em movimento, como se “pour encourager les autres” (para encorajar os outros), Marx especifica em francês em uma nota sobre esta dança fantasma: “Pode-se lembrar que a China e as mesas começaram a dançar quando o resto do mundo parecia estar parado – pour encourager les autres”.

A contradição capital não tem a ver simplesmente com a incrível conjectura do sensual e do supersensível na mesma Coisa; ela é a contradição da autonomia automática, da liberdade mecânica, da vida técnica. Como tudo, a partir do momento em que entra no palco de um mercado, a mesa se assemelha a uma prótese de si mesma. Autonomia e automatismo, mas automatismo desta mesa de madeira que espontaneamente se põe em movimento, com certeza, e parece assim animar, animar, animar, espiritualizar, espiritualizar, mas enquanto permanece um corpo artefato, uma espécie de autômato, uma marionete, uma boneca rígida e mecânica cuja dança obedece à rigidez técnica de um programa. Dois gêneros, duas gerações de movimentos se cruzam nele, e é por isso que ele imagina a aparição de um espectro. Ele acumula indecidivelmente, em sua impureza, seus predicados contraditórios: a coisa inerte aparece de repente inspirada, é tudo de uma vez transfixado por um pneumático ou uma psique. Torne-se como um ser vivo, a mesa se parece com um cão profético que se levanta em suas quatro patas, pronto para enfrentar seus semelhantes: um ídolo gostaria de fazer a lei. Mas, inversamente, o espírito, a alma ou a vida que o anima permanece preso na opaca e pesada magreza do enterro, na espessura inerte de seu corpo ligneoso, e a autonomia não é mais que a máscara do automatismo. Uma máscara, na verdade uma viseira que pode estar sempre escondendo nenhum olhar vivo sob o capacete. O autômato mimetiza os vivos. A Coisa não está morta nem viva, ela está morta e viva ao mesmo tempo. Ela sobrevive. Ao mesmo tempo astuciosa, inventiva e máquina, engenhosa e imprevisível, esta máquina de guerra é uma máquina teatral, um mekhane. O que acabamos de ver atravessar o palco é uma aparição, uma quase-divindade – caída do céu ou saindo da terra. Mas a visão também sobrevive. Sua hiperlucidez insiste.

Desafio ou convite, “incentivo”, sedução contra a sedução, desejo ou guerra, amor ou ódio, provocação de outros fantasmas: Marx insiste muito nisso, pois há um múltiplo dessa socialidade (há sempre mais de uma mercadoria, mais de um espírito e até mais espectros) e o número pertence ao próprio movimento, ao processo não-finito de espectralização (Baudelaire invocou muito bem o número na cidade do formigueiro do capitalismo moderno – fantasma, multidão, dinheiro, prostituição – e Benjamin também em seu rastro). Pois se nenhum valor de uso pode por si só produzir esta mística ou este efeito espectral da mercadoria, e se o segredo é ao mesmo tempo profundo e superficial, opaco e transparente, segredo tanto mais secreto quanto nenhuma essência substancial se esconde por trás dele, é porque o efeito nasce de uma relação (fertilidade, diferença, referência e diffarença), como dupla relação, deve-se dizer como duplo vínculo social.

Esta dupla sociedade une, por um lado, os homens uns aos outros. Associa os homens na medida em que eles estiveram sempre interessados no tempo, Marx observa imediatamente, o tempo ou a duração do trabalho, e isto em todas as culturas e em todas as etapas do desenvolvimento tecno-econômico. Este socius, portanto, vincula “homens” que são antes de tudo experiências de tempo, existências determinadas por esta relação com o tempo que por si só não seria possível sem sobreviver e retornar, sem aquele presente vivo e estar “fora de conjunto” que deslocam a auto-presença do presente vivo e instala assim a relação com o outro. A mesma sociedade, a mesma “forma social” da relação vincula, por outro lado, as coisas de mercadoria umas às outras. Na outra banda, mas como? E como o que acontece em uma banda entre os homens, em sua apreensão do tempo, se explica pelo que acontece por outro lado entre aqueles espectros que são commodities? Como é que aqueles a quem se chama “homens”, homens vivos, existências temporais e finitas, ficam sujeitos, em suas relações sociais, a esses espectros que são relações, relações igualmente sociais entre mercadorias?

Como aqui a temporalidade parece ser essencial ao processo de capitalização e ao socius em que um valor de troca é comercializado enquanto se especula, já que a existência dos homens e mulheres inscritos neste processo é determinada antes de tudo, no Capital, como temporal, indiquemos rapidamente, de passagem, a possibilidade de uma herança ou uma filiação que mereceria uma análise mais sustentada. Em questão está a fórmula que, na abertura do Capital, define o valor de troca e determina a tabela como algo “não-sensualmente sensual”, sensualmente supersensível. Esta fórmula lembra literalmente (e esta literalidade não pode ser tomada como fortuita ou externa) a definição de tempo – de tempo assim como de espaço – na Enciclopédia de Hegel (Filosofia da Natureza, Mecânica). Hegel submete a definição kantiana a uma interpretação dialética, ou seja, ao Aufhebung. Ele analisa o tempo como aquilo que é antes de tudo abstrato ou ideal (ein Ideelles), pois é a unidade negativa do estar fora de si (como o espaço do qual é a verdade). (Esta idealidade do tempo é obviamente a condição de qualquer idealização e conseqüentemente de qualquer ideologização e qualquer fetichização, qualquer que seja a diferença que se deva respeitar entre estes dois processos). Agora, é a fim de tornar explícito o movimento da Aufhebung como temporalização do tempo abstrato e ideal, que Hegel acrescenta esta observação: “Como espaço, o tempo é uma forma pura de sensibilidade ou do ato de intuição, o não-sensuoso sensual [das unsinnliche Sinnliche] …”. (§258; propus uma leitura desta passagem em Margins – da Filosofia). ]

A mesa de mercadorias, o cão cabeça forte, a cabeça de madeira virada para cima, lembramos, para todas as outras mercadorias. O mercado é uma frente, uma frente entre frentes, um confronto. As commodities têm negócios com outras commodities, estes espectros de cabeça dura têm comércio entre si. E não apenas em tête-à-tête. Isso é o que os faz dançar. É o que parece. Mas se o “caráter místico” da mercadoria, se o “caráter enigmático” do produto do trabalho como mercadoria nasce da “forma social” do trabalho, ainda é preciso analisar o que é misterioso ou secreto sobre este processo, e qual é o segredo da forma da mercadoria (das Geheimnisvolle der Warenform). Este segredo tem a ver com um “quid pro quo”. O termo é Marx’s. Ele nos leva mais uma vez a alguma intriga teatral: ardil mecânico (mekhane) ou confundir uma pessoa, repetição sobre a intervenção perversa de um prompter [suflê], suflê de liberdade condicional, substituição de atores ou personagens. Aqui o quid pro quo teatral decorre de um jogo anormal de espelhos. Existe um espelho, árido a forma de mercadoria é também este espelho, mas como de repente ele não desempenha mais seu papel, já que não reflete de volta a imagem esperada, aqueles que estão procurando por si mesmos não podem mais se encontrar nele. Os homens já não reconhecem nele o caráter social de seu próprio trabalho. É como se eles estivessem se tornando fantasmas por sua vez. A característica “própria” dos espectros, como os vampiros, é que eles são privados de uma imagem especular, da imagem especular verdadeira e correta (mas quem não está tão privado?). Como se reconhece um fantasma? Pelo fato de que ele não se reconhece em um espelho. Isto é o que acontece com o comércio das mercadorias entre si. Estes fantasmas que são mercadorias transformam os produtores humanos em fantasmas. E todo este processo teatral (visual, teórico, mas também óptico, óptico) desencadeia o efeito de um espelho misterioso: se este último não retorna o reflexo correto, se, então, se fantasma, isto se naturaliza, antes de tudo porque se naturaliza. O “misterioso” da forma de mercadoria como suposto reflexo da forma social é a maneira incrível como este espelho devolve a imagem (zuruckspiegelt) quando se pensa que está refletindo para o homem a imagem das “características sociais do próprio trabalho do homem”: tal “imagem” objetiva pela naturalização. Assim, esta é sua verdade, mostra-se escondendo, reflete estas características “objetivas” (gegenstandliche) como inscritas diretamente no produto do trabalho, como as “propriedades sócio-naturais destas coisas” (como gesellschaftliche Natureigenschaften dieser Dinge). Portanto, e aqui o comércio entre mercadorias não espera, a imagem devolvida (deformada, objetivada, naturalizada) torna-se a de uma relação social entre mercadorias, entre estes “objetos” inspirados, autônomos e automáticos que são mesas de sessão. O especular se torna o espectral no limiar desta naturalização objetivadora: “ela também reflete a relação social dos produtores com a soma total do trabalho como uma relação social entre objetos, uma relação que existe à parte e fora dos produtores”. Através desta substituição [quid pro quo], os produtos do trabalho tornam-se mercadorias, coisas sensórias que são ao mesmo tempo supersensíveis ou sociais” (pp. 16 65).

Tanto para a coisa como para o trabalhador em sua relação com o tempo, a socialização ou os passes becomingo-sociais por meio desta espectralização. A “fantasmagoria” que Marx está trabalhando aqui para descrever, aquela que vai abrir a questão do fetichismo e do religioso, é o próprio elemento deste devir social e espectral: ao mesmo tempo, ao mesmo tempo, pelo mesmo motivo. Enquanto segue sua analogia óptica, Marx admite que, da mesma forma, é claro, a impressão luminosa deixada por uma coisa no nervo óptico também se apresenta como forma objetiva diante do olho e fora dele, não como uma excitação do próprio nervo óptico Mas lá, na percepção visual, há realmente (wirklick), diz ele, uma luz que vai de uma coisa, o objeto externo, para outra, o olho: “relação física entre as coisas físicas”. Mas a forma de mercadoria e a relação de valor entre produtos de trabalho em que se apresenta nada tem a ver nem com sua “natureza física” nem com as “relações (materiais) thingly (material)” (dingliche Beziehungen) que dela decorrem. “Não é senão a relação social definida entre os próprios homens que assume aqui, para eles, a forma fantástica [dies phantasmagorische Form] de uma relação entre as coisas” (p. 165), como acabamos de observar, esta fantasmagoria de um comércio entre as coisas do mercado, sobre o mercato ou a agora, quando um pedaço de mercadoria (merx) parece entrar numa relação, para conversar, falar (agoreuein), e negociar com outro, corresponde, ao mesmo tempo, a uma naturalização da sociedade humana, do trabalho objetivado nas coisas, e a uma desnaturalização, uma desnaturalização e uma desmaterialização da coisa tornada mercadoria, da mesa de madeira quando esta entra em cena como valor de troca e não mais como valor de uso. Para mercadorias como Marx vai apontar, não andem sozinhos, não vão ao mercado por conta própria para encontrar outras mercadorias. Este comércio, entre outras coisas, deriva da fantasmagoria. A autonomia emprestada às mercadorias corresponde a uma projeção antropomórfica. Esta última inspira as mercadorias, inspira o espírito nelas, um espírito humano, o espírito de um discurso e o espírito de uma vontade.

A. De um discurso antes de tudo, mas o que diria este discurso? O que diria esta pessoa, ator ou personagem? “Se as mercadorias pudessem falar, diriam o seguinte: nosso valor de uso pode interessar aos homens, mas não nos pertence como objetos”. O que nos pertence como objetos, no entanto, é o nosso valor. Nossa própria relação sexual [ Unser eigner Verkehr] como mercadoria o prova. Nós nos relacionamos [Wir beziehn uns] meramente como valores de troca” (pp. 176-77). Este artifício retórico é abissal. Marx vai afirmar imediatamente que o economista ingenuamente, reflete ou reproduz este discurso fictício ou espectral da mercadoria e se deixa de alguma forma ventriloquizar por ela: ele “fala” do fundo da alma da mercadoria (aus den Warenseele heraus). Mas ao dizer “se a mercadoria pudesse falar” (Könnten die Waren sprechen), Marx implica que ela não pode falar. Ele as faz falar (como o economista que ele está acusando), mas para fazê-las dizer, paradoxalmente, que na medida em que são valores de troca, elas falam, e que elas falam ou mantêm um comércio entre si apenas na medida em que falam. Que para eles, em qualquer caso, pode-se ao menos dar a palavra. Falar, adotar ou emprestar discurso, e ser valor de troca, é aqui a mesma coisa. São valores de uso que não falam e que, por esta razão, não se preocupam e não interessam pelas mercadorias – a julgar pelo que parecem dizer. Com este movimento de ficção do discurso, mas do discurso que se vende dizendo: “Eu, a mercadoria, estou falando”, Marx quer dar uma lição aos economistas que acreditam (mas ele não está fazendo a mesma coisa?) que basta uma mercadoria dizer “Eu, estou falando” para que seja verdade e para que tenha uma alma, uma alma profunda, e que seja própria dela. Estamos tocando aqui naquele lugar onde, entre falar e dizer “Eu estou falando”, a diferença do simulacro não é mais operativa. Muito barulho por nada? Marx cita logo em seguida a peça de Shakespeare enquanto faz um uso bastante tortuoso da oposição entre a fortuna (acaso ou destino) e a natureza (lei, necessidade, história, cultura): “Ser um homem bem favorecido é o dom da fortuna, mas escrever e ler vem por natureza” (Ibid.).

B. Do testamento seguinte. Como as mercadorias não andam para se levar voluntariamente, espontaneamente, ao mercado, seus “guardiões” e “possuidores” fingem habitar estas coisas. Seu “testamento” começa a “habitar” (bausen) as mercadorias. A diferença entre habitar e assombrar torna-se aqui mais ingrata do que nunca. As pessoas são personificadas ao se deixarem assombrar pelo próprio efeito de assombrar objetivamente, por assim dizer, que elas produzem ao habitarem a coisa. As pessoas (guardiães ou possuidores da coisa) são assombradas em troca, e constitutivamente, pela assombração que produzem na coisa alojando ali seu discurso e sua vontade como habitantes. O discurso do Capital sobre o “processo de troca” se abre como um discurso sobre a assombração – e sobre as leis de sua reflexão:

As mercadorias não podem elas próprias ir ao mercado e realizar trocas por direito próprio…. Os herdeiros devem se colocar em relação uns aos outros como pessoas cuja vontade [ Willen] reside [haust] nesses objetos, e devem se comportar de tal forma que cada um não se aproprie da mercadoria do outro, e alienar a sua própria, exceto através de um ato com o qual ambas as partes consintam. (P. 178)

Deste Marx deduz toda uma teoria da forma jurídica do pacto, do penhor, do contrato e das “máscaras econômicas” com as quais as pessoas se cobrem – e que figuram senão “as personificações das relações econômicas”.

Esta descrição do processo fantasmopético ou fantasmagórico vai constituir a premissa do discurso sobre fetichismo, na analogia com o “mundo religioso”.

Mas antes de chegarmos a isso, vamos dar alguns passos para trás e formular algumas perguntas. Pelo menos duas.

Primeiro: se o que o Capital está analisando aqui não é apenas a fantasmagomalização da forma de mercadoria, mas a fantasmagomalização do vínculo social, sua espectacularização em troca, por meio de uma perturbada reflexão, então o que pensar (ainda retrospectivamente) da ironia picante com que Marx tratou Stirner quando este último ousou falar de um becomingghost do próprio homem, e para si mesmo? De um homem que se assustou com seu próprio fantasma, um medo constitutivo do conceito que ele formou de si mesmo, e, portanto, de toda sua história como homem? De um medo de se fazer a si mesmo, assustando-se com o medo que ele mesmo inspira em si mesmo… Sua história como história e trabalho de seu luto, do luto por si mesmo, do luto que ele usa na superfície do que é próprio do homem? E quando ele descreve a fantasmagnetização da mesa de madeira, o fantasma que engendra fantasmas e lhes dá à luz a partir de seu terço em seu terço, fora dele dentro dele, começando por si mesmo, partindo de si mesmo [a partir de elle-même], que tipo de reflexão faz Marx reproduzir a linguagem literal de Stirner, que ele mesmo citou em A Ideologia Alemã e voltou atrás, de alguma forma, contra seu autor, ou seja, contra um acusador que é então acusado da acusação que ele mesmo elaborou (“Depois que o mundo confrontou a juventude fantasiosa [phantasierenden] (da página 20) como um mundo de suas “fantasias febril” [Fieberphantasien], como um mundo de fantasmas [como Gespensterwelt], “as crias de sua própria cabeça” [eignen Gerburten seines Kopfs] dentro de sua cabeça começam a dominá-lo”)?

Esta questão poderia ser desenvolvida infinitamente. Vamos interromper seu curso e seguir um de seus outros relés.

Em segundo lugar. Dizer que a mesma coisa, a mesa de madeira, por exemplo, entra no palco como mercadoria depois de ter sido apenas uma coisa comum em seu valor de uso, é conceder uma origem ao momento fantasmagórico. Seu valor de uso, Marx parece implicar, estava intacto. Era o que era, valor de uso, idêntico a si mesmo. A fantasmagoria, como o capital, começaria com o valor de troca e a forma de mercadoria. É somente então que o fantasma “entra em cena”. Antes disso, segundo Marx, ele não estava lá. Nem mesmo para assombrar o valor de uso. Mas de onde vem a certeza em relação à fase anterior, a deste suposto valor de uso, precisamente, um valor de uso purificado de tudo o que faz com que o valor de troca e a forma de mercadoria? O que garante esta distinção para nós? Não se trata aqui de negar um valor de uso ou a necessidade de se referir a ele. Mas de duvidar de sua estrita pureza. Se esta pureza não for garantida, então seria preciso dizer que a fantasmagoria começou antes do referido valor de troca, na eira do valor de valor em geral, ou que a forma da mercadoria começou antes da forma da mercadoria, ela mesma antes de si mesma. O referido valor de uso da referida coisa sensual comum, o simples bule, a madeira da mesa de madeira sobre a qual Marx supõe que ainda não começou a “dançar”, sua própria forma, a forma que informa seu touro, deve de fato ter pelo menos prometido a iterabilidade, a substituição, a troca, o valor; deve ter começado, por mínimo que tenha sido, por uma idealização que permita identificá-la como a mesma ao longo de possíveis repetições, e assim por diante. Assim como não há uso puro, não há valor de uso que a possibilidade de troca e comércio (seja qual for o nome que se lhe chame, ou seja, valor, cultura, espírito [!], significação, o mundo, a relação com o outro e, antes de tudo, a forma e o traço simples do outro) não tenha antecipadamente inscrito em um fora de uso – uma significação excessiva que não pode ser reduzida ao inútil. Uma cultura começou antes da cultura – e da humanidade. A capitalização também. O que é o mesmo que dizer que, por esta mesma razão, ela está destinada a sobreviver a eles. (Poder-se-ia dizer o mesmo, aliás, se nos aventurássemos em outro contexto, por um valor de troca: ele é igualmente inscrito e superado por uma promessa de doação além da troca. De certa forma, a equivalência do mercado prende ou mecaniza a dança que parecia iniciar. Somente além do valor em si, do valor de uso e do valor de troca, do valor da técnica e do mercado, a graça é prometida, se não for dada, mas nunca entregue ou dada de volta à dança).

Sem desaparecer, o valor de uso torna-se, então, uma espécie de limite, uma espécie de correlativo de um conceito de limite, de um começo puro ao qual nenhum objeto pode ou deve corresponder e que, portanto, deve ser complicado em uma teoria geral (em qualquer caso mais geral) do capital. Desta só tiraremos uma conseqüência aqui, entre tantas outras possíveis: se ela mesma retém algum valor de uso (isto é, de permitir que se oriente uma análise do “processo fantasmagórico a partir de uma origem que é ela mesma fictícia ou ideal, assim já purificada por uma certa fantasia), este conceito limite de valor de uso está antecipadamente contaminado, isto é, preocupado, habitado, assombrado por seu outro, isto é, o que nascerá da cabeça de madeira da mesa, da forma da mercadoria e de sua dança fantasma. A forma de mercadoria, para ter certeza, não é valor de uso, devemos conceder isto a Marx e levar em conta o poder analítico que esta distinção nos dá. Mas se a forma da mercadoria não é, atualmente, valor de uso, e mesmo que não esteja realmente presente, ela afeta antecipadamente o valor de uso da mesa de madeira. Afeta-a e a deixa de lado de antemão, como o fantasma que se tornará, mas é precisamente aqui que começa a assombrar. E seu tempo, e a intempestividade de seu presente, de seu estar “fora da articulação”. Assombrar não significa estar presente, e é necessário introduzir a assombração na própria construção de um conceito. De todo conceito, começando com os conceitos de ser e de tempo. É o que estaríamos chamando aqui de hauntologia. A ontologia se opõe a ela apenas em um movimento de exorcismo. A ontologia é uma conjuração.

O “caráter místico” da mercadoria é inscrito antes de ser inscrito, traçado antes de ser escrito letra por letra na testa ou na tela da mercadoria. Tudo começa antes de começar. Marx quer saber e fazer saber em que momento preciso e em que instante o fantasma entra em cena, e isto é uma forma de exorcismo, uma maneira de mantê-lo à distância: antes deste limite, ele não estava lá, ele estava impotente. Estamos sugerindo, ao contrário, que, antes do golpe de teatro deste instante, antes do “logo que entra no palco como mercadoria, ele se transforma numa coisa sensual supersensível”, o fantasma tinha feito sua aparição, sem aparecer pessoalmente, é claro e por definição, mas tendo já escavado no valor de uso, na madeira de cabeça dura da mesa de cabeça dura, a repetição (portanto substituição, permutabilidade, iterabilidade, a perda da singularidade como a própria experiência da singularidade, a possibilidade do capital) sem a qual um uso nunca poderia sequer ser determinado. Esta assombração não é uma hipótese empírica. Sem ela, não se poderia sequer formar o conceito nem de valor de uso, nem de valor em geral, nem informar qualquer assunto, nem determinar qualquer mesa, seja uma mesa de madeira – útil ou vendável – ou uma tabela de categorias. Ou qualquer tabela de mandamentos. Não se poderia sequer complicar, dividir ou fraturar suficientemente o conceito de valor de uso apontando, como faz Marx por exemplo, este fato óbvio: para seu primeiro proprietário presumido, o homem que o leva ao mercado como valor de uso destinado a outros, o primeiro valor de uso é um valor de troca.

“Portanto, as mercadorias devem ser realizadas como valores antes que possam ser realizadas como valores de uso” (p. 179). E vice-versa, o que torna a diacronia circular e transforma a distinção em uma complicação. “Por outro lado, [mercadorias] devem resistir ao teste como valores de uso antes que possam ser realizadas como valores de uso”. Mesmo que a transformação de uma mercadoria em valor de uso e outra em dinheiro marque um ponto de parada independente, uma estase em circulação, esta última continua sendo um processo infinito. Se a circulação total C-M-C é uma série sem início ou fim”, como a Crítica de Economia Política constantemente insiste, é porque a metamorfose é possível em todas as direções entre o valor de uso, a mercadoria e o dinheiro. Sem mencionar que o valor de uso da comodidade do dinheiro (Geldware) também é por si só “duplo”: os dentes naturais podem ser substituídos por próteses de ouro, mas este valor de uso é diferente do que Marx chama de “valor de uso formal” que surge da função social específica do dinheiro.

Como qualquer valor de uso é marcado por esta possibilidade de ser usado pelo outro ou ser usado em outro momento, esta alteridade ou iterabilidade o projeta a priori no mercado de equivalências (que são sempre equivalências entre não-equivalentes, é claro, e que supõem a dupla sociedade de que estávamos falando acima). Em sua iterabilidade originária, um valor de uso é prometido antecipadamente, prometido para troca e além da troca. Ele é lançado antecipadamente no mercado de equivalências. Isto não é simplesmente uma coisa ruim, mesmo que o valor de uso esteja sempre em risco de perder sua alma na mercadoria. A mercadoria é uma mercadoria nascida “cínica” porque elimina diferenças, mas embora seja congênita, embora seja “um nivelador nato e cínico” (Geborner Leveller und Zyniker) (p. 179), este cinismo original já estava sendo preparado em valor de uso, na cabeça de madeira daquele cão de pé, como uma mesa, em suas quatro patas. Pode-se dizer da mesa o que Marx diz sobre a mercadoria. Como a mercadoria que se tornará, que está adiantada, o cínico já se prostitui, “está sempre pronto para trocar não só alma, mas corpo, com cada outra mercadoria, seja ela mais repulsiva que o próprio Maritornes” (Ibid.). É pensando nesta prostituição original que, como lembramos, Marx gostava de citar Timon de Atenas e sua imprecisão profética. Mas é preciso dizer que se a mercadoria corrompe (arte, filosofia, religião, moralidade, lei, quando suas obras se tornam valores de mercado), é porque a comodidade já atestou o valor que ela põe em perigo. Por exemplo: se uma obra de arte pode se tornar uma mercadoria, e se este processo parece fadado a ocorrer, é também porque a mercadoria começou colocando para trabalhar, de uma forma ou de outra, o princípio de uma arte.

Esta não foi uma questão crítica, mas sim uma desconstrução dos limites críticos, os limites tranquilizadores que garantem o exercício necessário e legítimo do questionamento crítico. Tal desconstrução não é uma crítica da crítica, de acordo com a típica duplicação da ideologia alemã pós-Kantiana. E, acima de tudo, não implica necessariamente em uma fantasmagorização geral na qual tudo se tornaria indiferentemente mercadoria, em uma equivalência de preços. Tanto mais que, como temos sugerido aqui e ali, o conceito de forma de mercadoria ou de valor de troca se vê afetado pela mesma contaminação transbordante. Se a capitalização não tem um limite rigoroso, é também porque ela mesma vem a ser ultrapassada. Mas uma vez que os limites da fantasmagorização não podem mais ser controlados ou fixados pela simples oposição de presença e ausência, de atualidade e de inexatidão, sensual e supersensível, outra abordagem das diferenças deve estruturar (“conceitualmente” e “realmente”) o campo que assim foi reaberto. Longe de apagar diferenças e determinações analíticas, esta outra lógica exige outros conceitos. É de se esperar que ela permita uma reestruturação mais refinada e mais rigorosa. Só ela, em qualquer caso, pode exigir esta constante reestruturação, como em qualquer outro lugar, para o próprio progresso da crítica. E esta deslimitação também afetará o discurso sobre religião, ideologia e fetichismo. Mas é preciso perceber que o fantasma está lá, seja na abertura da promessa ou da expectativa, antes de sua primeira aparição: este último já se havia anunciado, desde o primeiro terá vindo em segundo lugar. Duas vezes ao mesmo tempo, iterabilidade originária, virtualidade irredutível deste espaço e deste tempo. É por isso que se deve pensar de outra forma o “tempo” ou a data de um evento. Novamente: “ha’s this thing appear’d againe tonight?”

Haveria então algum exorcismo na abertura do Capital? Quando a cortina sobe ao levantar de uma cortina? Desde o primeiro capítulo de seu primeiro livro? Por mais potencial que possa parecer, e por mais preparatória que seja, por mais virtual que seja, esta premissa do exorcismo teria desenvolvido poder suficiente para assinar e selar toda a lógica desta grande obra? Uma cerimônia de conjuração teria escaneado o desdobramento de um imenso discurso crítico? Teria acompanhado esse discurso, o teria seguido ou precedido como sua sombra, em segredo, como um indispensável e – se ainda se pode dizer assim – vital sobrevivente, exigido de antemão? Um sobrevivente herdado na origem, mas a cada instante depois? E não é esta conjuração sobrevivente uma parte, inefável, da promessa revolucionária? Da injunção ou do juramento que coloca o Capital em movimento?

Não esqueçamos que tudo o que acabamos de ler ali era o ponto de vista de Marx sobre um delírio finito. Era seu discurso sobre uma loucura destinada, segundo ele, a chegar ao fim, sobre uma incorporação geral do trabalho humano abstrato que ainda se traduz, mas por um tempo finito, na linguagem da loucura, em um delírio (Verückheit) de expressão (p. 169). Teremos que, declara Marx, e poderemos, teremos que ser capazes de pôr um fim ao que aparece “nesta forma absurda” (in dieser verrückten Form). Veremos (traduzir: veremos chegar) o fim deste delírio e destes fantasmas, Marx obviamente pensa. É necessário, pois estes fantasmas estão ligados às categorias da economia burguesa.

Esta loucura aqui? Esses fantasmas ali? Ou a espectralidade em geral? Esta é mais ou menos toda nossa pergunta – e nossa circunspecção. Não sabemos se Marx pensou em fazer com o fantasma em geral, ou mesmo se ele realmente queria que, quando ele declara inequivocamente que este fantasma aqui, este Spuk que o Capital toma como seu objeto, é apenas o efeito da economia de mercado. E que, como tal, ele deveria desaparecer com outras formas de produção.

As categorias de economia burguesa consistem precisamente em formas deste tipo [ou seja, delirante, Marx acaba de dizer]. São formas de pensamento que são socialmente válidas, e portanto objetivas, para as relações de produção pertencentes a este modo de produção social historicamente determinado, ou seja, a produção de mercadorias. Todo o mistério das mercadorias, toda a magia e necromancia que envolve os produtos do trabalho com base na produção de mercadorias, desaparece assim que chegamos a [fugir para: flüchten] outras formas de produção [Aller Mystizismus der warenwelt, aller Zaüber und Spuk, welcher arbeitsprodukte auf Grundlage der Warenproduktion umnehelt, verschwindet daber sofort, sobald wir zu andre Produktionsformen flüchten] (Ibid.)

Esta tradução, como tantas outras, consegue apagar a referência literal ao fantasma (Spuk). É preciso ressaltar também o imediatismo imediato com o qual, como Marx gostaria pelo menos de acreditar ou fazer-nos acreditar, o misticismo, a magia e o fantasma desapareceriam: eles desaparecerão (Indicativo), dissipar-se-ão na verdade, segundo ele, como por magia, como se tivessem vindo, no exato segundo em que se (veria) o fim da produção do mercado. Assumindo até mesmo, junto com Marx, que este último terá sempre um fim possível. Marx de fato diz: “tão logo”, sobald, e como sempre ele fala de um desaparecimento para vir do fantasma, do fetiche e da religião como aparições nebulosas. Tudo está velado na névoa, tudo está envolto em nuvens (umnehelt), a começar pela verdade. Nuvens em uma noite fria, paisagem ou cenário de Hamlet sobre a aparição do fantasma (“já passa da meia-noite, frio amargo e escuro, exceto pela luz tênue das estrelas”).

Mesmo que o Capital tivesse assim se aberto com uma grande cena de exorcismo, com uma tentativa de elevar os riscos da conjuração, esta fase crítica não seria de modo algum destruída, não seria desacreditada. Ao menos não anularia tudo sobre seu evento e sua inauguração. Pois estamos apostando aqui que o pensamento nunca fez com o impulso conjurador. Em vez disso, ele nasceria desse impulso. Jurar ou conjurar, não é essa a chance de pensar e seu destino, nada menos que seu limite? O dom de sua finitude? Alguma vez ele tem outra escolha, exceto entre várias conjuranças? Sabemos que a pergunta em si – e é a mais ontológica e a mais crítica e a mais arriscada de todas as perguntas – ainda se protege a si mesma. Sua própria formulação lança barricadas ou escavações de trincheiras, envolve-se com barreiras, aumenta as fortificações. Raramente avança de cabeça, com risco total de vida acrescenta membros [à corps perdu]. De forma mágica, ritual, obsessiva, sua formalização utiliza fórmulas que às vezes são procedimentos incansáveis. Ela delimita seu território definindo ali estratégias e sentinelas sob a proteção de escudos apotropaicos. A problematização em si é cuidadosa para não admitir e assim evocar (repetimos, problema é um escudo, uma armadura, uma muralha tanto quanto é uma tarefa para o inquérito que está por vir). A problematização crítica continua a fazer a batalha contra os fantasmas. Ela os teme como ela mesma os teme.

Estas questões colocadas, ou melhor, suspensas, talvez possamos voltar ao que o Capital parece querer dizer sobre o fetiche, na mesma passagem e seguindo a mesma lógica. A questão é também, não esqueçamos, mostrar que o enigma do fetiche do “dinheiro” é redutível ao do fetiche da “mercadoria” uma vez que este último se tornou visível (sichtbar) – mas, acrescenta Marx igualmente enigmático, visível ou evidente ao ponto de deslumbramento cego: a tradução francesa à qual me refiro aqui diz que o enigma do fetiche da mercadoria “crève les veux”, literalmente, põe os olhos de fora (die Augenblendende Rätsel des Warenfetischs).

Agora, como sabemos, somente a referência ao mundo religioso permite explicar a autonomia do ideológico e, portanto, sua própria eficácia, sua incorporação em aparelhos que são dotados não somente de uma aparente autonomia, mas de uma espécie de automatismo que não relembra, por acaso, a falta de altura da mesa de madeira. Ao prestar contas do caráter “místico” e do segredo (das Geheimnisvolle) da forma de mercadoria, fomos introduzidos no fetichismo e no ideológico. Sem serem redutíveis uns aos outros, eles compartilham uma condição comum. Agora, diz o Capital, somente a analogia religiosa, somente o “reino nebuloso da religião” (die Nebelregion der religiösen Welt) pode permitir entender a produção e a autonomização fetichizante desta forma. A necessidade de voltar-se para esta analogia é apresentada por Marx como conseqüência da “forma fantasmagórica”, cuja gênese ele analisou. Se a relação objetiva entre as coisas (que chamamos de comércio entre mercadorias) é de fato uma forma fantasmagórica da relação social entre os homens, então devemos recorrer à única analogia possível, a da religião: “Não é senão a relação social definida entre os próprios homens que assume aqui, para eles, a forma fantástica de uma relação entre as coisas”. Conseqüência: “Portanto, para encontrar uma analogia [minha ênfase: Um daber eine Analogie zufinden], devemos voar [flüchten novamente ou já] para o reino nebuloso da religião” (p. 165).

Escusado será dizer que as apostas são enormes na relação do fetichismo com o ideológico e o religioso. Nas declarações que se seguem, a dedução do fetichismo é também aplicada ao ideológico, à sua autonomização, bem como à sua automatização:

Lá [no mundo religioso] os produtos do cérebro humano [da cabeça, mais uma vez, dos homens: des menschlischen Kopfes, análogos à cabeça de madeira da mesa capaz de engendrar quimeras – em sua cabeça, fora de sua cabeça – uma vez, ou seja, assim que sua forma pode se tornar forma de mercadoria] aparecem como figuras autônomas dotadas de uma vida própria, que entram em relações tanto entre si como com a raça humana…. Eu chamo isto de fetichismo que se prende [ao tornozelo] aos produtos do trabalho assim que são produzidos como mercadorias e, portanto, é inseparável da produção de mercadorias.

Como a análise anterior já demonstrou, este fetichismo do mundo das mercadorias surge do caráter social peculiar do trabalho que as produz. (Ibid.)

Em outras palavras, assim que há produção, há fetichismo: idealização, autonomização e automatização, desmaterialização e incorporação espectral, trabalho de luto coextensivo com todo o trabalho, e assim por diante. Marx acredita que ele deve limitar esta co-extensividade à produção de mercadorias. Em nossa opinião, este é um gesto de exorcismo, do qual falamos anteriormente e sobre o qual deixamos aqui mais uma vez suspensa nossa pergunta.

O religioso não é, portanto, apenas um fenômeno ideológico ou de produção fantasmática, entre outros. Por um lado, ele dá à produção do fantasma ou do fantasma ideológico sua forma originária ou seu paradigma de referência, sua primeira “analogia”. Por outro lado (e antes de tudo, e sem dúvida pela mesma razão), o religioso também informa, junto com o messiânico e o escatológico, seja na forma necessariamente indeterminada, vazia, abstrata e seca que estamos privilegiando aqui, aquele “espírito” do marxismo emancipatório cuja injunção estamos reafirmando aqui, por mais secreta e contraditória que pareça.

Não podemos nos envolver aqui nesta questão geral de fetichização. Nos próximos trabalhos, será sem dúvida necessário vinculá-lo à questão da espectralidade fantasmática. Apesar da abertura infinita de todas estas fronteiras, talvez se possa tentar definir o que está em jogo aqui, a partir de pelo menos três pontos de vista:

1. Fetichismo fantasmagórico em geral e seu lugar na Capital. Mesmo antes do valor da mercadoria fazer sua entrada no palco e antes da coreografia da mesa de madeira, Marx havia definido o produto residual do trabalho como uma objetividade fantasmática (gespenstige Gegenständlichkeit).

2. O lugar deste momento teórico no corpo de Marx. Ele rompe ou não com o que é dito sobre o fantasma e o ideológico em A ideologia alemã? É possível que se tenha dúvidas. A relação provavelmente não é de ruptura nem de homogeneidade.

3. Além destas dimensões, que não são apenas as de uma exegese de Marx, está sem dúvida em jogo tudo o que hoje liga Religião e Técnica em uma configuração singular.

A. Em primeiro lugar está em jogo aquilo que toma a forma original de um retorno do religioso, fundamentalista ou não, e que determina em demasia todas as questões de nação, Estado, direito internacional, direitos humanos, Carta de direitos – em suma, tudo aquilo que concentra seu habitat na figura pelo menos sintomática de Jerusalém ou, aqui e ali, de sua reapropriação e do sistema de alianças que se ordenam ao seu redor. Como relacionar, mas também como dissociar os dois espaços messiânicos de que estamos falando aqui com o mesmo nome? Se o apelo messiânico pertence propriamente a uma estrutura universal, a esse movimento irredutível da abertura histórica ao futuro, portanto à própria experiência e à sua linguagem (expectativa, promessa, compromisso com o acontecimento do que está por vir, iminência, urgência, exigência de salvação e de justiça além da lei, compromisso dado ao outro na medida em que ele ou ela não está presente, presente ou vivo, e assim por diante), como pensar isso com as figuras do messianismo Abraâmico? Será que ele figura a desertificação abstrata ou a condição originária? Não foi o messianismo Abraâmico, mas uma prefiguração exemplar, o pré-nome [pré-nom] dado contra o pano de fundo da possibilidade que estamos tentando nomear aqui? Mas então por que manter o nome, ou pelo menos o adjetivo (preferimos dizer messiânico ao invés de messianismo, de modo a designar uma estrutura de experiência ao invés de uma religião), onde nenhuma figura do arrivista, mesmo como ele ou ela é anunciado, deveria ser pré-determinada, prefigurada, ou mesmo pré-nomeada? Destes dois desertos, qual dos dois, em primeiro lugar, o que fez o sinal para o outro? Pode-se conceber uma herança ateológica do messiânico? Existe algum, ao contrário, que seja mais consistente? o patrimônio nunca é natural, pode-se herdar mais de uma vez, em lugares e momentos diferentes, pode-se escolher esperar pelo momento mais apropriado, que pode ser o mais inoportuno – escrever sobre ele de acordo com linhagens diferentes, e assinar assim mais de uma importação. Estas questões e estas hipóteses não se excluem uma da outra. Pelo menos para nós e para o momento. Ascesis despoja a esperança messiânica de todas as formas bíblicas, e mesmo de todas as figuras determináveis da espera ou expectativa; assim, ela se desnuda em vista de responder àquilo que deve ser a hospitalidade absoluta, o “sim” ao arrivante(e), o “vir” ao futuro que não pode ser antecipado – que não deve ser o “qualquer coisa” que abriga por trás dele aqueles fantasmas demasiado familiares, os mesmos que devemos praticar o reconhecimento. Aberta, esperando o evento como justiça, esta hospitalidade só é absoluta se ela continuar zelando por sua própria universalidade. O messiânico, incluindo suas formas revolucionárias (e o messiânico é sempre revolucionário, tem que ser), seria urgência, iminência mas, paradoxo irredutível, uma espera sem horizonte de expectativa. Pode-se sempre tomar a aridez quase ateísta do messiânico como a condição das religiões do Livro, um deserto que nem sequer era deles (mas a terra é sempre emprestada, emprestada por Deus, nunca é possuída pelo ocupante, diz precisamente [justement] o Antigo Testamento cuja injunção também se teria de ouvir); pode-se sempre reconhecer ali o solo árido em que cresceu, e faleceu, as figuras vivas de todos os messiânicos, sejam elas anunciadas, reconhecidas, ou ainda esperadas.

Pode-se também considerar este crescimento compulsivo, e a furtividade desta passagem, como sendo os únicos eventos com base nos quais nos aproximamos e, antes de tudo, nomeamos o messiânico em geral, aquele outro fantasma do qual não podemos e não devemos prescindir. Pode-se considerar estranho, estranhamente familiar e inospitaleiro ao mesmo tempo (unheimlich, incansável), esta figura de hospitalidade absoluta cuja promessa se escolheria confiar a uma experiência tão impossível, tão insegura em sua indigência, a um quase “messianismo” tão ansioso, frágil e empobrecido, a um sempre pressuposto “messianismo”, a um quase “messianismo” transcendente que também tem um interesse tão obstinado em um materialismo sem substância: um materialismo do khôra para um “messianismo” desesperado. ” Mas sem este último desespero e se se pudesse contar com o que está por vir, a esperança não seria senão o cálculo de um programa. A pessoa teria a perspectiva, mas não esperaria mais por nada ou por ninguém. Direito sem justiça. Não se convidaria mais, nem de corpo nem de alma, não se receberia mais visitas, nem sequer se pensaria mais em ver. Para ver chegar. Alguns, e eu não me excluo, encontrarão este “messianismo” desesperado com um gosto curioso, um gosto de morte. É verdade que este gosto é acima de tudo um gosto, um prenúncio, e em essência é curioso. Curioso da própria coisa que ele conjura – e isso deixa algo a desejar.

B. Mas também está em jogo, indissociavelmente, o desdobramento diferencial da tekkne-, da tecnociência ou da teletecnologia. Ela nos obriga mais do que nunca a pensar a virtualização do espaço e do tempo, a possibilidade de eventos virtuais cujo movimento e velocidade nos proíbem mais do que nunca (mais e mais do que nunca, pois isto não é absolutamente e completamente novo) de uma presença oposta à sua representação, do “tempo real” ao “tempo diferido”, a efetividade ao seu simulacro, o viver ao não-vivo, em suma, o viver ao vivo-morto de seus fantasmas. Isso nos obriga a pensar, a partir daí, em outro espaço para a democracia. Para a democracia para chegar e, portanto, para a justiça. Sugerimos que o evento que estamos vagando por aqui hesita entre o singular “quem” do fantasma e o “o quê” geral do simulacro. No espaço virtual de todas as teletechnosciências, na deslocalização geral à qual nosso tempo está destinado – como são de agora em diante os lugares dos amantes, famílias, nações – os tremores messiânicos à beira deste evento em si. É esta hesitação, não tem outra vibração, não “vive” de outra forma, mas não seria mais messiânico se deixasse de hesitar: como dar origem e dar lugar [donner lieu], ainda, para torná-lo, este lugar, torná-lo habitável, mas sem matar o futuro em nome de antigas fronteiras? Como os do sangue, os nacionalismos do solo nativo não só semeiam ódio, não só cometem crimes, não têm futuro, não prometem nada mesmo se, como a estupidez ou o inconsciente, se agarram à vida. Esta hesitação messiânica não paralisa nenhuma decisão, nenhuma afirmação, nenhuma responsabilidade. Pelo contrário, ela lhes concede sua condição elementar. É a própria experiência deles.

Como devemos apressar a conclusão, vamos esquematizar as coisas. Se algo parece não ter mudado entre a ideologia alemã e o capital, são dois axiomas cuja herança é igualmente importante para nós. Mas é a herança de um duplo vínculo que, além disso, sinaliza para o duplo vínculo de qualquer herança e, portanto, de qualquer decisão responsável. Contradição e segredo habitam a injunção (o espírito do pai, se se preferir). Por um lado, Marx insiste em respeitar a originalidade e a própria eficácia, a autonomização e automatização da idealidade como processos finitos-infinitos de diferença (fantasmático, fantástico, fetichista, ou ideológico) – e do simulacro que não é simplesmente imaginário nele. É um corpo artefático, um corpo técnico, e é preciso trabalho para constituí-lo ou desconstituí-lo. Este movimento permanecerá valioso, sem dúvida insubstituível, desde que seja ajustado, como será por qualquer “bom marxismo”, a novas estruturas e situações. Mas, por outro lado, mesmo sendo ele um dos primeiros pensadores da técnica, ou mesmo, de longe e de longe, da teletecnologia que sempre terá sido, de perto ou de longe, Marx continua a querer fundamentar sua crítica ou seu exorcismo do simulacro espectral em uma ontologia. É uma ontologia – crítica mas predeconstrutiva – de presença como realidade real e como objetividade. Esta ontologia crítica significa desdobrar a possibilidade de dissipar o fantasma, ousemos dizer novamente de conjurá-lo como consciência representativa de um sujeito, e de trazer esta representação de volta ao mundo do trabalho, da produção e do intercâmbio, de modo a reduzi-la às suas condições. Pre-deconstruir aqui não significa falso, desnecessário, ou ilusório. Ao contrário, ela caracteriza um conhecimento relativamente estabilizado que exige perguntas mais radicais do que a própria crítica e do que a ontologia que fundamenta a crítica. Estas questões não são desestabilizadoras como o efeito de alguma subversão teórico-especulativa. Não são sequer, em última análise, perguntas, mas eventos sísmicos. Eventos práticos, onde o pensamento torna-se ato [se fait agir], e experiência corporal e manual (pensamento como Handeln, diz Heidegger em algum lugar), trabalho mas sempre trabalho divisível – e compartilhável, além dos velhos esquemas da divisão do trabalho (mesmo além daquele em cuja base Marx construiu tantas coisas, em particular seu discurso sobre hegemonia ideológica: a divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual cuja pertinência certamente não desapareceu, mas parece mais limitada do que nunca). Estes eventos sísmicos vêm do futuro, são dados a partir do terreno instável, caótico e deslocado dos tempos. Um tempo desajustado ou desajustado sem o qual não haveria nem história, nem evento, nem promessa de justiça.

O fato de o ontológico e o crítico estarem aqui pré-deconstruídos tem conseqüências políticas que talvez não sejam negligenciáveis. E, sem dúvida, não são negligenciáveis, para ir muito rápido aqui, no que diz respeito ao conceito de político, no que diz respeito ao próprio político.

Para indicar apenas um exemplo entre tantos outros, vamos evocar mais uma vez em conclusão uma passagem da ideologia alemã. Ela põe em ação um esquema que o Capital parece ter constantemente confirmado. Nele, Marx avança essa crença no espectro religioso, portanto no fantasma em geral, consiste em autonomizar uma representação (Vorstellung) e em esquecer sua gênese, assim como sua verdadeira fundamentação (Reale Grundlage). Para dissipar a autonomia facciosa assim engendrada na história, é preciso levar novamente em conta os modos de produção e de intercâmbio técnico-econômico:

Na religião as pessoas transformam seu mundo empírico em uma entidade concebida, imaginada [zu einem nur gedachten, vorgestellten Wesen], que as confronta como algo estrangeiro [das ihnen fremd gegenübertritt]. Isto novamente não é de forma alguma para ser explicado a partir de outros conceitos, da “autoconsciência” e disparates similares, mas de todo o modo de produção e de relacionamento até então existente, que é tão independente [unabhängig] do conceito puro quanto a invenção da mula auto-atuante [em inglês no texto] e o uso das ferrovias são independentes da filosofia hegeliana. Se ele quer falar de uma “essência” da religião, isto é, de uma base material desta inessencialidade, [db. von einer materiellen Grundlage dieses Unwesen], então ele não deve procurá-la nem na “essência do homem” [im “Wesen des Menschen”], nem nos predicados de Deus, mas no mundo material que cada estágio do desenvolvimento religioso encontra em existência (cf acima Feuerbach). Todos os “espectros” que nos foram apresentados [die wir Revue passieren liessen] foram representações [Vorstellungen]. Essas representações – deixando de lado sua base real [abgesehen von ihrer realem Grundlage] (que Stirner em qualquer caso deixa de lado) – entendidas como representações internas à consciência, como pensamentos na cabeça das pessoas, transferidos de sua objetividade [Gegenständlichkeit] de volta ao assunto [in das Subjekt zurzickgenommen], elevados da substância à autoconsciência, são obsessões [der Sparren] ou idéias fixas… (P. 160-61)

Se alguém seguir a letra do texto, a crítica do fantasma ou dos espíritos seria assim a crítica de uma representação subjetiva e uma abstração, do que acontece na cabeça, do que só sai da cabeça, ou seja, do que fica lá, na cabeça, mesmo que tenha saído de lá, fora da cabeça, e sobreviva fora da cabeça. Mas nada seria possível, a começar pela crítica, sem a sobrevivência, sem a possível sobrevivência desta autonomia e deste automatismo fora da cabeça. Pode-se dizer que é aqui que se situa o espírito da crítica marxista, não o espírito que se opõe à sua letra, mas aquele que supõe o próprio movimento de sua letra. Como o fantasma, ele não está nem na cabeça nem fora da cabeça. Marx sabe disso, mas ele procede como se não quisesse saber. Em The German Ideology, o capítulo seguinte será dedicado a esta obsessão que fez Stirner dizer: “Mensch, es spukt in deinem Kopfe!” geralmente traduzido como “Homem, há espectros em sua cabeça”! Marx acha que basta voltar o apóstrofo contra Saint Max (p. 160).

Es spukt. difícil de traduzir, como temos vindo a dizer. É uma questão de fantasma e assombro, para ter certeza, mas o que mais? O idioma alemão parece nomear o retorno fantasmagórico, mas ele o nomeia em forma verbal. Este último não diz que há algum vingador, espectro ou fantasma; não diz que há alguma aparição, der Spuk, nem mesmo que ele aparece, mas que “ele fantasma”, “ele apareceu”. É um assunto [Il’s agit], na neutralidade desta forma verbal totalmente impessoal, de algo ou alguém, nem alguém nem algo, de um “um” que não age. Trata-se mais do movimento passivo de uma apreensão, de um movimento apreensivo pronto para receber, mas onde? Na cabeça? O que é a cabeça diante desta apreensão que ela não pode sequer conter? E se a cabeça, que não é o sujeito, nem a consciência, nem o ego, nem o cérebro, fosse definida antes de tudo pela possibilidade de tal experiência, e pela própria coisa que ela não pode conter, nem delimitar, pela indefinição do “es spukt”? Para acolher, dizíamos então, mas mesmo apreendendo, com ansiedade e com o desejo de excluir o estrangeiro, convidar o estrangeiro sem aceitá-lo, uma hospitalidade doméstica que acolhe sem acolher o estrangeiro, mas um estrangeiro que está] pronto para ser encontrado dentro (das Heimliche-Unheimliche), mais íntimo de si mesmo, a proximidade absoluta de um estranho cujo poder é singular e anônimo (es spukt), um poder inominável e neutro, ou seja, indecidível, nem ativo nem passivo, uma – identidade que, sem fazer nada, ocupa invisivelmente lugares que finalmente não pertencem nem a nós nem a ela. Agora, tudo isto, isto sobre o qual não dissemos nada que seja logicamente determinável, isto que vem com tanta dificuldade de linguagem, isto que parece não significar nada, isto que nos faz falar regularmente do lugar onde não queremos dizer nada, onde sabemos claramente o que não queremos dizer mas não sabemos o que gostaríamos de dizer, como se isto não fosse mais nada da ordem do conhecimento ou da vontade ou da vontade de dizer, Bem, isto volta, isto retorna, isto insiste em urgência, e isto dá a pensar, mas isto, que é cada vez mais irresistível, singular o suficiente para gerar tanta angústia quanto o futuro e a morte, isto decorre menos de um “automatismo de repetição” (dos autômatos que estão virando diante de nós há tanto tempo) do que nos dá a pensar tudo isto, tudo isto, tudo isto, tudo isto, tudo isto, de onde surge a compulsão de repetição: que todos os outros são completamente outros. O retorno impessoal fantasmagórico do “es spukt” produz um automatismo da repetição, não menos do que encontra ali seu princípio da razão. Em um incrível parágrafo do “Das Unheimliche”, Freud reconhece ainda que deveria ter começado sua pesquisa (sobre o Unheimliche, a pulsão de morte, a compulsão à repetição, o além do princípio do prazer, etc.) com o que diz o “es spukt”. Ele vê ali um exemplo com o qual teria sido necessário iniciar a busca. Ele chega ao ponto de considerá-lo o exemplo mais forte de Unheimlichkeit (“Wir hätten eigentlich unsere Untersuchung mit diesem, vielleicht stärksten Beispiel von Unheimlichkeit beginnen können”, “Poderíamos, propriamente falando, ter começado nossa investigação com este exemplo de impureza, que é talvez o mais forte”). Mas podemos nos perguntar se o que ele chama de exemplo mais forte se deixa reduzir a um exemplo meramente ao exemplo mais forte, em uma série de exemplos. E se fosse a própria Coisa, a causa da própria coisa que se está buscando e que faz com que se busque? A causa do conhecimento e da busca, o motivo da história ou da episteme? Se foi dali que tirou sua força exemplar? Por outro lado, deve-se prestar atenção ao mecanismo de conjurar que Freud então apresenta para se justificar por não ter pensado que ele deveria começar de onde poderia ter começado, de onde deveria ter começado, no entanto, ele por exemplo (você entende bem o que quero dizer: Marx, ele também).

Freud nos explica isso no tom sereno da epistemologia, da metodologia, da retórica, na verdade, na cautela psicológica: se ele não teve que começar onde poderia ou deveria ter começado, é porque com a coisa em questão (o exemplo mais forte de Unheimlichkeit, o “es spukt”, fantasmas e aparições), a pessoa se assusta demais [a pessoa se faz temer demais: on se fait trop peur]. Confunde-se o que é heimliche-unheimliche, de forma contraditória, indecidível, com o terrível ou o assustador (mit dem Grauenhaften). Agora, o medo não é bom para a serenidade da pesquisa e a distinção analítica dos conceitos. Deve-se ler também por si mesmo e deste ponto de vista todo o resto do texto (tentaremos fazê-lo em outro lugar), enquanto cruzamos esta leitura com a de numerosos outros textos de Heidegger. Pensamos que o recurso frequente, decisivo e organizador que este último tem ao valor de Unheimlichkeit, no Ser e no Tempo e em outros lugares, permanece geralmente despercebido ou negligenciado. Em ambos os discursos, o de Freud e o de Heidegger, este recurso torna possível projetos ou trajetórias fundamentais. Mas é assim enquanto se desestabiliza permanentemente, e de forma mais ou menos subterrânea, a ordem das distinções conceituais que são colocadas em prática. Deve perturbar tanto a ética quanto a política que se segue implícita ou explicitamente a partir dessa ordem.

Nossa hipótese é que o mesmo é válido para a espectrologia de Marx. Não é esta nossa própria grande constelação problemática de assombração? Não tem uma certa fronteira, mas pisca e brilha por trás dos nomes próprios de Marx, Freud e Heidegger: Heidegger, que julgou mal Freud, que julgou mal Marx. Isto não é, sem dúvida, aleatório. Marx ainda não foi recebido. O subtítulo deste endereço poderia, portanto, ter sido: “Marx – das Unheimliche”. Marx continua sendo um imigrante chez nous, um glorioso, sagrado, amaldiçoado, mas ainda um imigrante clandestino como ele foi toda a sua vida. Ele pertence a um tempo de disjunção, àquele “tempo fora do comum” no qual é inaugurado, laboriosamente, dolorosamente, tragicamente, um novo pensamento de fronteiras, uma nova experiência da casa, do lar e da economia. Entre a terra e o céu. Não se deve apressar para fazer do imigrante clandestino um estrangeiro ilegal ou, o que sempre se arrisca a descer à mesma coisa, domesticá-lo. Para neutralizá-lo através da naturalização. Assimilá-lo para deixar de se assustar (fazer-se temer) com ele. Ele não faz parte da família, mas não se deve mandá-lo de volta, mais uma vez, ele também, para a fronteira.

Por mais vivo, saudável, crítico e ainda necessário que esteja, sua explosão de riso pode permanecer, e antes de tudo diante do capital ou do fantasma paternal, o Hauptgespenst que é a essência geral do Homem, Marx, das Unbeimliche, talvez não devesse ter expulsado tantos fantasmas tão rapidamente. Nem todos de uma vez ou não tão simplesmente com o pretexto de que eles não existiam (claro que não existem, e daí?) – ou que tudo isso era ou deveria permanecer passado (“Que os mortos enterrem seus mortos”, e assim por diante). Tanto mais que ele também soube deixá-los ir livres, emancipá-los até mesmo, no movimento em que ele analisa a autonomia (relativa) do valor de troca, o ideolograma, ou o fetiche. Mesmo que se quisesse, não se podia deixar os mortos enterrar os mortos: isso não tem sentido, isso é impossível. Somente os mortais, somente os vivos que não são deuses vivos, podem enterrar os mortos. Somente os mortais podem vigiá-los, e podem vigiar, ponto final. Os fantasmas também podem fazer isso, eles estão em todos os lugares onde há observação; os mortos não podem fazer isso – é impossível e eles não devem fazer isso.

Que o sem-terra deste impossível pode, no entanto, acontecer é, ao contrário, a ruína ou as cinzas absolutas, a ameaça que deve ser pensada e, por que não, exorcizada mais uma vez. Exorcizar não para afugentar os fantasmas, mas desta vez para conceder-lhes o direito, se isso significa fazê-los voltar vivos, como inquilinos que não seriam mais inquilinos, mas como outros chegados aos quais uma memória ou promessa hospitaleira deve oferecer acolhida sem a certeza, nunca, de que eles se apresentam como tal. Não para conceder-lhes o direito neste sentido, mas por uma preocupação de justiça. A existência presente ou essência nunca foi condição, objeto ou coisa [escolhida] da justiça. É preciso lembrar constantemente que o impossível (“deixar os mortos enterrar seus mortos”) é, infelizmente, sempre possível. É preciso lembrar constantemente que este mal absoluto (que é, não é, vida absoluta, vida plenamente presente, aquela que não conhece a morte e não quer ouvir falar dela) pode acontecer. É preciso lembrar constantemente que é mesmo com base na terrível possibilidade deste impossível que a justiça é desejável: através mas também para além do direito e da lei.

Se Marx, como Freud, como Heidegger, como todo mundo, não começou onde deveria ter “podido começar” (beginnen können), ou seja, com a assombração, antes da vida como tal, antes da morte como sucção, sem dúvida não é culpa dele. A culpa, em qualquer caso, por definição, se repete, nós a herdamos, devemos zelar por ela. Ela vem sempre a um grande preço – e para a humanidade precisamente. O que custa muito caro à humanidade é, sem dúvida, acreditar que se pode ter feito na história com uma essência geral do Homem, sob o pretexto de que ele representa apenas um Hauptgespenst, arqui-afantasma, mas também, o que se resume à mesma coisa – no fundo – ainda acreditar, sem dúvida, neste fantasma capital. Acreditar nele, como acreditam os crédulos ou os dogmáticos. Entre as duas crenças, como sempre, o caminho permanece estreito.

Para que houvesse algum sentido em se perguntar sobre o terrível preço a pagar, a fim de cuidar do futuro, tudo teria que ser recomeçado. Mas em memória, desta vez, daquela impura “impura história impura dos fantasmas”.

Pode-se, para questioná-la, dirigir-se a um fantasma? A quem? A ele? A ele, como diz Marcelo mais uma vez e com tanta prudência? “Tu és um Scholler; fala-lhe Horatio…. Questione-o”.

A pergunta talvez mereça ser colocada de outra forma: Poderíamos nos dirigir a nós mesmos em geral, se já algum fantasma não voltasse? Se ele ama a justiça pelo menos, o “estudioso” do futuro, o “intelectual” de amanhã deve aprender isso e do fantasma. Ele deveria aprender a viver aprendendo não como fazer conversa com o fantasma, mas como falar com ele, com ela, como deixá-lo falar assim ou como devolvê-lo, mesmo que seja em si mesmo, no outro, no outro em si mesmo: eles estão sempre lá, espectros, mesmo que não existam, mesmo que não existam mais, mesmo que ainda não existam. Eles nos dão para repensar o “lá” assim que abrimos a boca, mesmo em um colóquio e especialmente quando se fala lá em uma língua estrangeira:

Você é um estudioso; fale com ele, Horatio.

Fonte: https://www.marxists.org/reference/subject/philosophy/works/fr/derrida2.htm

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