O romance clássico de Manuel Tiago usa a forma de thriller político para nos ensinar a história da luta antifascista em Portugal. Se você gosta de ler livros de Graham Greene, John Le Carré ou Dan Brown, vai adorar a ação tensa de Até amanhã camaradas ainda mais porque seus protagonistas lutam contra o fascismo, o capitalismo e o imperialismo. Eles estão do lado “bom” da divisão de classes.

Manuel Tiago era o pseudónimo de Álvaro Cunhal, antigo dirigente do Partido Comunista Português (PCP), que escrevia ficção para transmitir lições políticas que a classe trabalhadora precisava de absorver. Dele Até amanhã camaradas é amplamente considerado uma obra-prima da literatura portuguesa moderna. Em 2013, foi transformado em uma popular série limitada de televisão.

Situado na década de 1940 em algum lugar do interior português, Até amanhã camaradas ficcionaliza a luta do PCP para construir as forças sindicais e camponesas contra o regime fascista. A perigosa empreitada envolve reuniões clandestinas, debates políticos fortemente contestados sobre teoria e ação, sinais secretos, distribuição clandestina do jornal do partido, fugas de policiais fascistas pelo país e criação de redes para organização, informação e distribuição de recursos. Como o perigo fascista espreita em cada esquina, os líderes de diferentes tipos de trabalho e seções geográficas do Partido devem frequentemente ser mantidos no escuro uns sobre os outros para proteger a segurança do coletivo.

A revolta trará ao povo alguma vantagem contra os capitalistas, ou será enfrentada pelo brutal salto de ferro do regime fascista?

Existem muitos enredos dinâmicos, protagonistas e antagonistas que se cruzam. Karl Marx escreveu que a riqueza das sociedades capitalistas se apresenta de forma imprecisa como uma imensa acumulação de mercadorias. Na verdade, a riqueza de uma sociedade repousa fundamentalmente sobre os ombros da capacidade dos trabalhadores, por meio de sua força de trabalho, de misturar natureza, bens e trabalho para gerar valor e riqueza. Marx provou que por causa disso, os trabalhadores se transformaram em uma classe lutadora buscando criar uma sociedade justa e livre. De uma maneira básica, as pessoas, não as coisas, são a verdadeira fonte de riqueza e progresso social.

Este fato é uma premissa central do romance de Tiago. Personagens individuais que desempenham papéis positivos e negativos em cada um desses coletivos são apresentados como personagens “típicos” (embora nem planos nem uniformemente positivos). O autor adota o conceito marxista de localizar personagens individuais reconhecíveis no campo realista das lutas de classes, democráticas e anticoloniais. O leitor identificar-se-á facilmente – mesmo pelas peculiaridades nacionais, linguísticas ou da época – com personagens como Vaz, Maria, Rosa, Isabel, Paulo, António, Afonso, Manuel, Marques, Gaspar, Ramos, entre outros.

À medida que lemos, descobrimos que cada uma dessas pessoas – às vezes profundamente imperfeitas, às vezes incrivelmente boas – é vital para a libertação da classe trabalhadora, dos camponeses e de todo o povo. A confiança excessiva na personalidade heróica e carismática condena partes da luta ao fracasso; enquanto os sucessos dependem daqueles que paciente e persistentemente se organizam e se recusam a ceder. e destemor da classe.

Disciplina, discussão coletiva e uma teoria revolucionária orientam os trabalhadores e quadros do Partido em suas tomadas de decisão e escolhas de ação. A luta pela sobrevivência sob o regime fascista, sua fome manufaturada, corrupção desenfreada e violência terrorista, motiva a solidariedade da classe trabalhadora e das forças camponesas que participam da greve e do levante geral.

A “questão da mulher” no Portugal dos anos 40

Uma característica importante desta história que merece escrutínio é o tratamento da “questão da mulher” e questões de gênero. A história retrata fielmente o uso que o Partido faz das famílias “subterrâneas” como casas seguras. Em muitas dessas casas, camaradas e companheiras viviam juntos como “companheiros” fingindo ser casados ​​ou em relacionamentos amorosos. Essas famílias funcionavam como base para reuniões secretas de liderança, centros de distribuição para o jornal do partido, ponto de contato entre várias seções do partido e tarefas igualmente delicadas que exigiam altos níveis de segurança em um país dominado pelo fascismo.

Freqüentemente, as camaradas recrutadas para esses papéis, como seus companheiros, eram membros de longa data do Partido que tinham reputação de organizadoras eficazes da atividade sindical ou das lutas democráticas. Mas a exposição às forças policiais fascistas em um lugar geralmente significava que eles tinham que ir a algum lugar novo e trabalhar em segredo. No papel de companheira de casa segura, muitas vezes encontraram sérias restrições em suas capacidades criativas e de liderança, pois se viram presas em papéis secundários desempenhando o papel de “dona de casa obediente” em prol da segurança organizacional. De forma mais insidiosa, como a história descreve, eles foram relegados a funções de secretária, digitando relatórios e folhetos, operando as copiadoras, cuidando do espaço doméstico, preparando refeições e assim por diante.

A certa altura, Rosa, uma funcionária do Partido recrutada para o papel de companheira, aborda um camarada não identificado para discutir sua insatisfação. “Todas essas lutas importantes estão sendo travadas”, observa ela, “e vocês estão tão exaustos, enquanto eu estou sentada aqui, ociosa”. Rosa havia sido retirada do trabalho de organização na fábrica de juta, que empregava principalmente mulheres trabalhadoras, para administrar a casa segura.

“Você é um bom ponto, amigo”, ele responde. “Não que você esteja sentado ocioso, porque você conhece bem o uso e a necessidade de sua presença nesta casa. Mas a verdade é que não demos a devida atenção ao trabalho de nossas camaradas trabalhadoras do Partido, cujo trabalho tem sido quase exclusivamente garantir a integridade das casas do Partido. Há mulheres trabalhadoras do Partido que precisamos seriamente atrair para o trabalho da organização, e agora estamos enfrentando esse problema com seriedade”.

A cena sugere que o camarada faz uma declaração teórica, pondo fim à questão. Essa suposta resolução é ainda mais significativa pelo fato de Rosa ficar sentada ao lado dele por mais uma hora enquanto ele termina de escrever um manifesto pedindo uma greve de todos os trabalhadores e camponeses, incluindo mulheres trabalhadoras industriais e camponesas, para exigir salários e pão. Ele nunca pede uma opinião a ela; Rosa simplesmente observa. Em outras palavras, uma leitura dessa cena sugere que as palavras do camarada funcionam como uma declaração afirmativa de não-ação, a performatividade da teoria correta sem prática.

Um punhado de páginas e várias cenas de rápida transição depois – o Partido está mergulhado em um movimento de organização de massas com ação rápida – Cesário, cujo papel como sindicato e líder do Partido estava começando a se desenvolver, discute uma discussão entre vários quadros do Partido sobre questões políticas. problemas. A certa altura, ele pensa: “[w]ordens que não correspondem à ação e ideias sem intenção de serem realizadas foram perdendo todo o encanto e tração.” Em outras palavras, a confiança de nosso camarada anônimo em platitudes bem-intencionadas, mas vazias, em sua resposta a Rosa, não oferece correspondência entre ação e palavras.

Em contraste, em uma cena que ecoa a interação Rosa-companheiro não identificado, Maria, outra funcionária do Partido que é uma “companheira” dentro de uma casa segura, aborda Paulo com dúvidas semelhantes. “Estou tão infeliz. Tão infeliz,” ela revela a ele. O narrador intervém: “Paulo ficou calado. O que ele poderia dizer? Ele só sabe falar da luta e do Partido. E de que adianta isso agora?

Após uma pausa, Paulo busca palavras significativas para o amigo. “Você vai viver, vai realizar todos os seus sonhos”, uma afirmação que ele repete como um mantra. Habitualmente de poucas palavras, faz um discurso que reverbera no tempo: “Todos sonhamos, amigo, todos nós. Sonhamos com um mundo melhor onde uns não vivam do sofrimento dos outros, onde não se matem crianças com metralhadoras, onde se possa respirar o ar da liberdade. Esse é o sonho que nos dá força para lutar e sofrer…. Mas esse não é o nosso único sonho.” Também sonhamos com amor, laços familiares, conforto e felicidade pessoal. Fingir o contrário é negar a humanidade. Ele não oferece declarações sobre como resolver a questão da mulher; ele oferece apenas sonhos, luta e o exemplo de elevar e elevar o trabalho de camaradas que lideram a luta nas fábricas, nos campos e, sim, até no teatro da casa segura como uma “companheira”.

Além da história dinâmica da luta do Partido contra o fascismo, a obra de Tiago oferece um espaço narrativo para estudar os danos que a supremacia masculina tem sobre a classe trabalhadora e seus principais movimentos revolucionários. Também dá uma olhada avançada, para a época, em como o movimento da classe trabalhadora depende de centralizar a luta contra o patriarcado e a heteronormatividade enquanto mobiliza toda a classe para conquistar demandas econômicas e poder social. A unidade das questões democráticas com as demandas econômicas da classe e seus aliados é crucial na luta antifascista e é fundamental para o poder de toda a classe.

Este romance vem com um prefácio útil do tradutor, um ensaio do crítico português Óscar Lopes que situa o livro em seu contexto literário e, como em todas as entradas anteriores da série Manuel Tiago, um conjunto de perguntas intrigantes para refletir e discutir adequado para estudantes ou leitores do clube do livro.

Publicação de Até amanhã camaradas encerra uma série de oito livros editados pela International Publishers da obra ficcional completa de Manuel Tiago em inglês. Na verdade, a tenacidade do tradutor Eric Gordon em concluir este projeto é inigualável em qualquer lugar do mundo: até o momento, relativamente poucos desses trabalhos foram traduzidos para qualquer outro idioma. Chegar a esta fase final deve ser motivo de profunda satisfação, não só para ele, mas para a International Publishers, para a editora original portuguesa Avante!, e para os leitores de língua inglesa de todo o mundo e admiradores da literatura proletária que agora têm acesso a este corpo significativo de trabalho.

Manuel James (Álvaro Cunhal)
Até amanhã camaradas
Traduzido do português por Eric A. Gordon
Nova York: International Publishers, 2023
$ 21,99
ISBN: 9780717809387

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CONTRIBUINTE

Joel Wendland-Liu


Fonte: www.peoplesworld.org

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