Operação Ágata, 2016: Plano Estratégico de Fronteiras, “segurança, bem-estar e proteção para todos os brasileiros” / Gilberto Alves (Creative Commons Atribuição 2.0 Licença genérica)

RECIFE, Pernambuco — Talvez uma manchete melhor fosse “O ensino de falsa história nas escolas militares do Brasil”. Penso nos jovens dos Colégios Militares, nos jovens ardentes e nas jovens que têm que memorizar uma história vazia e violadora, que chamam de História do Brasil: Império e República, de uma Coleção Marechal Trompowsky. Da Biblioteca do Exército.

Mas vamos tentar não ser preconceituosos. Neste Dia da Mentira, 1º de abril de 2024, relembramos o golpe militar ocorrido há exatos 60 anos, em 1964. Vamos ilustrar com o que os alunos das escolas militares ainda são obrigados a aprender, assim, por exemplo:

“Nos governos militares, particularmente sob o presidente [Emílio Garrastazu] Médici [1969-74]houve censura aos meios de comunicação e combate e eliminação das guerrilhas, tanto urbanas como rurais, porque a preservação da ordem pública era condição necessária para o progresso do país.”

Uma breve pesquisa revela que esses livros didáticos utilizados pela Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial (DEPA), foram criados em 1973 – sim, naquele ano inesquecível da ditadura Médici – proporcionando orientação às futuras gerações de militares. E não pense que tal ensino está fora da lei: baseia-se num determinado artigo 4º da R-69. Você vê? O quartel legisla. O DEPA organiza o objetivo pedagógico “orientar o processo educativo e o ensino-aprendizagem na formação de cidadãos intelectualmente preparados e conscientes do seu papel na sociedade de acordo com os valores e tradições do Exército Brasileiro”.

Que valores seriam estes, fora as ideias anticomunistas da ditadura?

A academia militar doutrina, criando uma verdadeira Escola do Partido para a direita fascista, ao mesmo tempo que esconde a história trágica e o papel destruidor de vidas da “ordem pública” da ditadura militar. O que os setores de mentalidade democrática costumavam exigir – ou seja, que as escolas militares não pudessem mais permanecer independentes do Brasil, como se fossem ilhas inexpugnáveis ​​de civilização – continua a ser o que exigimos.

Há anos recebia e-mails ameaçadores, como: “Graças a Deus ainda existe ensino nos Colégios Militares, porque é através deles que se formam os alunos que ainda pensam nas universidades do Brasil. Os livros utilizados nos Colégios Militares são os publicados pela Biblioteca do Exército, porque os que circulam nas livrarias nacionais têm um padrão abaixo do aceitável e estão completamente distorcidos no seu conteúdo.” Então esse tipo de ensino ainda continua.

É hora de voltar à discussão sobre a escuridão com uma nova crítica: há um ponto em que as escolas públicas civis poderiam olhar com interesse para as escolas militares. Por outras palavras, as nossas escolas civis poderiam “traduzir” à sua maneira o que as escolas militares promovem. Quer dizer, com uma tradução para a liberdade numa discussão permanente em sala de aula. As escolas públicas e civis são deficientes na educação para as humanidades, para um melhor humanismo. Entenda, não se trata de incluir o “humanismo” como um curso puro e isolado no currículo. Trata-se de uma educação para a vida em todas as disciplinas, sem favorecer as prioridades militares. Não deveríamos fornecer às pessoas os meios intelectuais e técnicos para ascenderem socialmente, estabelecendo sempre novas bases de consumo entre os pobres, reproduzindo a ideia de exclusão do sistema capitalista. Deveríamos formar pessoas com uma visão de humanidade. Esta é a escola ideológica que nos falta, e que os militares fazem bem no seu próprio caminho oposto: treinar soldados anticomunistas da era da Guerra Fria.

Não devemos esquecer o terrorismo de Estado latente e justificado defendido nas escolas militares. Um terror que recriei na memória quando escrevi o romance Juventude sem fim. Aqui está um breve trecho:

“Os anéis de um vil garrote craniano que eles chamavam de “Coroa de Cristo”, que era apertado cada vez mais para extrair informações, ossos eram quebrados e dispositivos estranhos inseridos em orifícios corporais. As pessoas que viram e sofreram tais coisas ficam em silêncio. Algumas vítimas sentem-se culpadas por terem sobrevivido enquanto outras pereceram, outras ficam facilmente aterrorizadas e sofrem traumas persistentes, décadas depois. Freqüentemente, o reflexo é condicionado por memórias silenciadas para que a dor não volte a ocorrer. É paralisante pensar no que conhecemos e vimos. Pensamos em coisas que não queremos pensar e falamos para nós mesmos sobre assuntos que não ousamos contar a mais ninguém. É deprimente e não queremos nos afogar em uma loucura furiosa. Ou ser espancado novamente, em silêncio. Queremos que isso acabe.

“Quero paz, refletir em paz. Mas Vargas está diante de mim. Vejo que ele está apavorado. Ele está enfrentando o fim. ”

Memórias do terrorismo de Estado durante a ditadura retornam.

Memórias escondidas até hoje nas temíveis páginas da pedagogia da escola militar.

Juventude sem fim, romance dos anos da ditadura, traduzido por Peter Lownds, foi lançado em 2022 pela International Publishers. Está disponível aqui.

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CONTRIBUINTE

Urariano Mota


Fonte: www.peoplesworld.org

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