São Paulo, Brasil – O ministro dos Investimentos da Arábia Saudita foi recebido com aplausos e aplausos estrondosos no início deste ano, ao apresentar uma perspectiva optimista sobre o potencial para aprofundar os laços económicos do seu país com o Brasil.

Falando no primeiro fórum de investimentos Brasil-Arábia Saudita em São Paulo, em julho, Khalid al-Falih disse que, apesar dos milhares de quilômetros que os separam, as duas nações têm mais em comum do que aparenta.

“O Brasil e a Arábia Saudita, dois orgulhosos membros do G20 e produtores de energia, estão bem posicionados para serem parceiros estratégicos, sendo nós os líderes económicos das nossas respectivas regiões”, disse al-Falih.

“Com os nossos interesses estratégicos alinhados e os sectores privados fortes, poderíamos tornar-nos um dos cinco maiores investidores na economia um do outro. Acredito que isso será possível.”

Cheia de dinheiro após um lucro recorde de 161 mil milhões de dólares para a gigante petrolífera estatal Aramco no ano passado, a Arábia Saudita investiu milhares de milhões em investimentos nos gigantescos sectores mineiro e frigorífico do Brasil.

Embora os dois países sejam parceiros comerciais há muito tempo, os mais recentes investimentos do reino no Brasil estão ligados ao seu ambicioso programa de reformas “Visão 2030” para diversificar a economia saudita e reduzir a sua dependência das receitas do petróleo, dizem os especialistas.

“Faz parte de uma estratégia mais ampla para melhorar, revigorar e expandir as ligações globais da Arábia Saudita”, disse Robert Mogielnicki, do Arab Gulf States Institute, um grupo de reflexão em Washington, DC.

Para o Brasil, é uma oportunidade de atrair investimentos sauditas na indústria e infraestrutura, bem como garantir o fornecimento de fertilizantes do reino para utilização na produção agrícola.

“Há muito dinheiro que os países do Golfo têm e que os países latino-americanos estão dispostos a atrair para os seus próprios países e regiões”, disse Guilherme Casaroes, cientista político da Fundação Getulio Vargas do Brasil.

Novas ofertas

Os investimentos da Arábia Saudita no Brasil não causaram até agora nenhuma das controvérsias públicas frequentemente associadas à nação do Golfo sobre o seu historial de direitos humanos, sem qualquer reação significativa por parte de grupos de direitos humanos ou de políticos progressistas.

“O Brasil não interfere nos assuntos de outros países, é uma pedra angular da nossa política externa”, disse Hussein Kalout, que atuou como secretário de assuntos estratégicos no governo do ex-presidente do Brasil, Michel Temer, à Al Jazeera.

O aprofundamento dos laços tem estado no centro das atenções nas últimas semanas, à medida que funcionários dos governos saudita e brasileiro viajavam aos países um do outro para discutir maiores comércio e investimentos.

Dias antes do evento do fórum de investimentos em São Paulo, a empresa saudita Manara Minerals anunciou a aquisição, por US$ 3,4 bilhões, de uma participação de 10% no colosso minerador brasileiro Vale, no setor de metais básicos, que inclui níquel, cobre e cobalto, essenciais para a produção de veículos elétricos.

“A Manara Minerals pretende contribuir para a resiliência das cadeias de abastecimento globais e acelerar a transição energética global”, afirmou a empresa num comunicado.

A medida, explicou Mogielnicki, destaca o esforço de Ridyah para procurar formas de “aproveitar cadeias de abastecimento minerais críticas e garantir que tenham um lugar na mesa global”.

Fundada em janeiro, a Manara é apoiada pelo fundo soberano do reino PIF, um dos maiores do mundo, que lista o programa de investimentos do Brasil em sua página inicial.

Enquanto isso, no final de julho, o Ministro da Agricultura do Brasil, Carlos Favaro, liderou uma delegação à Arábia Saudita, após a qual disse que o reino havia autorizado as importações de cabras do Brasil.

Na mesma época, o gigante frigorífico brasileiro BRF concordou em entrar em uma joint venture com a Halal Products Development Company, apoiada pelo PIF, dias depois de outra subsidiária do PIF, SALIC, adquirir uma participação de 10,7% na BRF, de acordo com a agência de notícias Reuters.

“O que vemos é que com os investimentos Brasil-Sauditas não há fronteiras”, disse Tamer Mansour, chefe da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, uma associação empresarial com sede em São Paulo.

Nova geopolítica

A Arábia Saudita e o Brasil têm sido os principais parceiros comerciais um do outro nas suas respetivas regiões há décadas, com o comércio numa curva ascendente desde a década de 2000.

O Brasil – ele próprio um grande produtor de petróleo – compra principalmente petróleo e fertilizantes sauditas, enquanto o país do Golfo compra principalmente carne do Brasil, o maior exportador e produtor mundial de carnes halal. Os dois países têm embaixadas em Jeddah e Brasília desde 1973.

Mas nos últimos anos, a parceria aprofundou-se: no início de Agosto, a Arábia Saudita convidou nações em desenvolvimento, incluindo o Brasil e a Argentina, para uma reunião em Jeddah para procurar apoio para o plano de paz da Ucrânia no meio da invasão russa.

Mais tarde naquele mesmo mês, a Arábia Saudita foi convidada a integrar o grupo económico BRICS, do qual o Brasil é membro fundador, mas ainda não confirmou a sua ascensão.

Apesar de algumas hostilidades recentes e de grande repercussão entre Riade e Washington, a maioria dos analistas não considera o aprofundamento dos laços da Arábia Saudita com países como o Brasil e a China como uma afronta aos parceiros tradicionais, como os Estados Unidos e a Europa.

“Não são investimentos em competição”, disse Kalout sobre os investimentos tradicionais do reino, tais como imóveis no Reino Unido ou títulos do governo dos EUA. “Acontece que a sua matriz económica se expandiu.”

Mas os analistas também dizem que o interesse crescente da Arábia Saudita e de outros países do Golfo no Brasil reflecte mudanças geopolíticas mais amplas na sequência da guerra da Rússia na Ucrânia e das tensões crescentes entre os EUA e a China.

“Essa recente intensificação da Arábia Saudita em busca de investir mais no Brasil é consequência da mudança na geografia econômica do mundo”, disse Kalout à Al Jazeera.

Controvérsia

Ainda assim, os crescentes laços comerciais não são totalmente isentos de controvérsia, pelo menos por parte do Brasil.

O ex-presidente do país, Jair Bolsonaro, esteve envolvido em um escândalo envolvendo joias com diamantes não declarados recebidas por um assessor em 2021 e a venda de dois relógios de luxo, todos doados pela Arábia Saudita enquanto Bolsonaro estava no cargo.

O líder da extrema direita, sua esposa e vários aliados foram chamados para testemunhar perante a Polícia Federal no final de agosto, mas optaram por permanecer em silêncio, segundo relatos da mídia local. Alguns especialistas jurídicos especularam que Bolsonaro poderia enfrentar acusações de peculato.

Entretanto, alguns analistas permanecem cépticos quanto ao potencial da relação Brasil-Saudita, à medida que a nação do Golfo procura novas parcerias face às críticas ao seu historial de direitos.

No entanto, em última análise, Casaroes, da Fundação Getulio Vargas, disse à Al Jazeera que o pragmatismo empresarial, em oposição à ideologia, provavelmente guiaria o crescimento do relacionamento.

“O Brasil vai vender alimentos, vender recursos e conseguir alguns investimentos. Provavelmente é assim que será nos próximos anos.”

Fonte: www.aljazeera.com

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