Uma mulher chinesa segura uma faixa com os dizeres ‘Palestina Livre’ em inglês e chinês durante um protesto contra os ataques aéreos israelenses em Gaza, do lado de fora da Embaixada da Palestina em Pequim. | Andy Wong / AP

As observações do embaixador da China nas Nações Unidas, Geng Shuang, sobre a situação na Palestina ocupada em 24 de maio foram impecáveis, em termos de sua consistência com o direito internacional.

Em comparação com a posição dos Estados Unidos, que percebe a ONU, e particularmente o Conselho de Segurança, como um campo de batalha para defender os interesses israelenses, o discurso político chinês reflete uma postura legal baseada em um profundo conhecimento das realidades no terreno.

Articulando o pensamento chinês durante um “Briefing on the Situation in the Middle East, including the Palestine Question” do CSNU, Geng não mediu palavras. Ele falou com veemência sobre a necessidade “insubstituível” de uma “solução abrangente e justa” que se baseie no fim das “provocações” de Israel em Jerusalém e no respeito ao direito dos “adoradores muçulmanos” bem como à “custódia da Jordânia” no locais sagrados da cidade.

Ampliando o contexto das razões por trás da última violência na Palestina e da guerra israelense de 9 de maio em Gaza, Geng passou a declarar uma posição que tanto Tel Aviv quanto Washington consideram totalmente censurável. Ele condenou abertamente a “expansão ilegal de assentamentos (judaicos israelenses)” na Palestina ocupada e a “ação unilateral” de Israel, instando Tel Aviv a “interromper imediatamente” todas as suas atividades ilegais.

Geng passou a discutir questões que foram relativamente ignoradas, incluindo “a situação dos refugiados palestinos”.

Ao fazer isso, Geng enunciou a visão política da China em relação a uma solução justa na Palestina, que se baseia no fim da ocupação israelense, interrompendo as políticas expansionistas de Tel Aviv e respeitando os direitos do povo palestino.

Mas essa posição é nova?

Embora seja verdade que as políticas da China sobre a Palestina e Israel têm sido historicamente consistentes com o direito internacional, a China, nos últimos anos, tentou adaptar uma posição mais “equilibrada”, uma que não impeça o crescente comércio israelense-chinês, particularmente na área de tecnologia avançada de microchips.

No entanto, a afinidade China-Israel foi motivada por mais do que mero comércio.

Desde o seu lançamento oficial, a Iniciativa do Cinturão e Rota da China (BRI) tem servido como a pedra angular da visão global de Pequim. O enorme projeto envolve cerca de 150 países e visa conectar a Ásia com a Europa e a África por meio de redes terrestres e marítimas.

Devido à sua localização no Mar Mediterrâneo, a importância estratégica de Israel para a China, que há anos se empenha em obter acesso aos portos marítimos israelenses, dobrou.

Como era de se esperar, tais ambições têm sido motivo de grande preocupação para Washington, cujos navios frequentemente atracam no porto de Haifa.

Washington advertiu repetidamente Tel Aviv contra sua crescente proximidade com Pequim. O então secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, chegou a alertar Israel em março de 2019 que, até Tel Aviv reavaliar sua cooperação com a China, os EUA poderiam reduzir o “compartilhamento de inteligência e co-localização de instalações de segurança”.

Apreciando plenamente o poder global atual (e potencial futuro crescente) da China, Israel trabalhou para encontrar um equilíbrio que lhe permitisse manter seu “relacionamento especial” com os EUA, enquanto se beneficiava financeira e estrategicamente de sua proximidade com a China.

O ato de equilíbrio de Israel encorajou a China a traduzir sua crescente proeza econômica no Oriente Médio em um investimento político e diplomático também. Por exemplo, em 2017, a China pôs em marcha um plano de paz – formulado inicialmente em 2013 – denominado Proposta de Quatro Pontos. O plano oferecia mediação chinesa como uma substituição para o viés dos EUA e, em última análise, falhou no “processo de paz”.

A liderança palestina saudou o envolvimento da China, enquanto Israel se recusou a se envolver, causando constrangimento a um governo que insiste no respeito e no reconhecimento de sua crescente importância em todas as áreas.

Se atos de equilíbrio na geopolítica eram possíveis naquela época, a guerra Rússia-Ucrânia trouxe um fim repentino. A nova realidade geopolítica pode ser expressa nas palavras de um ex-diplomata italiano, Stefano Stefanini. O ex-embaixador da Itália na OTAN escreveu em um artigo na A impressão que o “ato de equilíbrio internacional acabou” e “não há redes de segurança”.

Ironicamente, Stefanini fez essa referência à necessidade da Itália de escolher entre o Ocidente e a China. A mesma lógica também pode ser aplicada a Israel e à China.

Logo depois que a China conseguiu fechar um acordo histórico entre a Arábia Saudita e o Irã em 6 de abril, novamente apresentou a ideia de mediar a paz entre a Palestina e Israel. O novo ministro das Relações Exteriores da China, Qin Gang, supostamente consultou os dois lados sobre “medidas para retomar as negociações de paz”. Mais uma vez, os palestinos aceitaram enquanto Israel ignorou o assunto.

Isso explica em parte a frustração da China com Israel e também com os EUA. Como ex-embaixador da China em Washington (2021-23), Qin deve estar familiarizado com o viés inerente dos EUA em relação a Israel. Este conhecimento foi expresso pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, durante a última guerra israelense em Gaza.

“Os Estados Unidos devem perceber que as vidas dos muçulmanos palestinos são igualmente preciosas”, disse Hua em 14 de maio.

Uma simples análise do discurso da língua chinesa sobre a situação na Palestina esclarece que Pequim vê uma ligação direta entre os EUA e o conflito continuado, ou o fracasso em encontrar uma solução justa.

Essa afirmação também pode ser deduzida dos comentários mais recentes do embaixador Geng no CSNU, onde ele criticou o “gerenciamento fragmentado da crise”, uma referência direta à diplomacia dos EUA na região, oferecendo uma alternativa chinesa baseada em uma “solução abrangente e justa”.

Igualmente importante é que a posição chinesa parece estar intrinsecamente ligada à dos países árabes. Quanto mais a Palestina ocupa o centro do discurso político árabe, maior é a ênfase que a questão recebe na agenda de política externa da China.

Na recente Cúpula Árabe realizada em Jeddah, os governos árabes concordaram em priorizar a Palestina como a causa árabe central. Aliados, como a China, com grandes e crescentes interesses econômicos na região, imediatamente perceberam.

Tudo isso não deve sugerir que a China cortará seus laços com Israel, mas certamente indica que a China continua comprometida com sua postura de princípios na Palestina, como tem feito ao longo das décadas.

Em breve, a relação entre a China e Israel enfrentará o teste decisivo das pressões e ultimatos dos EUA. Considerando a importância inigualável de Washington para Israel, por um lado, e a importância do mundo árabe-muçulmano para a China, por outro, o futuro é fácil de prever.

A julgar pelo discurso político da China sobre a Palestina – situado dentro das leis internacionais e humanitárias – parece que a China já fez sua escolha.

Como acontece com todos os artigos de opinião publicados pela People’s World, este artigo reflete as opiniões de seu autor.

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CONTRIBUINTE

Ramzy Baroud


Fonte: www.peoplesworld.org

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